Diário de um desespero – ou quase
Série de crônicas de João Carlos Pereira, iniciada em 22 de março de 2020, por conta do isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19.
Série de crônicas de João Carlos Pereira, iniciada em 22 de março de 2020, por conta do isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19.
A mulher era a pessimidade em forma de gente, do tipo que não falava com pobre, não dava a mão a preto e não carregava embrulho, tal como na música “a banca do distinto”, escrita por Dolores Duran e lindamente interpretada pela Elis Regina. Dona Iolanda chegou ao mundo impregnada da maldade da casa grande e saiu dele como qualquer vivente: na horizontal e sua soberba se decompôs junto com o corpo.
Diário de um desespero – ou quase - XLIV
João Carlos Pereira
Aurélio do Carmo (1922-2020)
Doutor Aurélio morreu sereno, dormindo, em paz com a vida e com sua consciência. Apeado do poder pelo golpe de 64, ficou longe da vida pública por força de uma cassação infundada. Uma vez lhe perguntei se havia sido cassado por corrupção ou por ideologia e ele respondeu, achando graça: “olha, João, nem eu sei. Eles nunca especificaram a razão do meu afastamento”.
Diário de um desespero – ou quase - XLIII
João Carlos Pereira
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Aurélio do Carmo (1922-2020)
Para um homem que tinha, segundo as próprias palavras, sonhos de planície, a vida lhe deu montanhas.
Diário de um desespero – ou quase - XLII
João Carlos Pereira
Leia mais A imensa saudade do dr. Aurélio do Carmo – parte I
Da minha Cidade Velha trago muitas lembranças, quase todas muito boas, mas o bairro ainda guarda (e protege) algumas possibilidades. Entre elas, a vontade infantil de tomar banho na calha da catedral, de onde despencava uma verdadeira cachoeira de Paulo Affonso.
Diário de um desespero – ou quase - XL
João Carlos Pereira
Por conta de uma angústia que começa a crescer no coração da cidade, esta semana muitas pessoas me indagaram se haveria Círio ou estaria cancelado. Também fui questionado se, desde 1793, quando a romaria saiu pela premira vez, aconteceu alguma interrupção. Essa pergunta, por incrível que pareça, é mais fácil que a primeira. Nem febre espanhola, nem surto de varíola, nem cabanagem, nem revolução de 30, nem primeira ou segunda guerras, nem quando a Irmandade brigou com a Igreja e o cortejo saiu sem padres...
Diário de um desespero – ou quase - XXXVI
João Carlos Pereira
Leia mais A difícil decisão de colocar ou não o Círio na rua
Com o dinheiro pouco e regrado, a mãe se consumia com o pagamento do aluguel, porque era uma desonra atrasar um dia sequer. Com jeito jocoso, mas em forma de verdadeira oração, um dos meninos, que depois seria médico famoso na cidade, dizia: “São José, nos dê um chalé”. O outro, que alcançou o desembargo, completava: “São João, nos dê um porão”. Eram líricas alusões ao teto próprio com que sonhavam, para que se livrassem do senhorio.
Diário de um desespero – ou quase - IV
João Carlos Pereira
Eram quase dez da manhã deste sábado, 28 de março de 2020, quando um helicóptero sobrevoou o bairro de Nazaré, seguindo na direção de Icoaraci. Desde cedo eu esperava por esse movimento, que quebraria a rotina fatigada dos céus da minha casa, já desabituados ao vai e vem de aviões.
João Carlos Pereira