A magia do número 100 e um coração 100% forrado de gratidão
Diário de um desespero – ou quase – C
João Carlos Pereira
Queria e, ao mesmo tempo, não queria chegar à centésima página desta série que, agora, alcança o fim. “João, somos finitos”, me alertou, em suas mensagens estilo pílulas de sabedoria, o professor Édson Franco, a quem dediquei a crônica 93. Tudo acaba. “Até as flores artificiais fenecem”, poetizou Mário Quintana, tentando colocar uma colher a mais de açúcar na receita do fim. Não sei se o que se foi era doce. Sei apenas que acabou-se.
Desejar não terminar era plantinha nascida de véspera e de sempre. A cada número que avançava, eu celebrava uma vitória sobre o corona vírus, que prefiro escrever dessa forma, separado, à outra, coronavírus, que lhe aumenta a extensão, ampliando o sentido de poder, com aspecto de centopéia. Cada nova crônica era a prova de que eu estava vivo e com forças para produzir. Não fosse a pandemia, não teria tido ânimo para preparar, em cem dias, o que demoro quase dois anos para fazer, uma vez por semana, às vezes com dificuldade para encontrar um tema, e mandar para “O Liberal”. 54 crônicas por ano. 108 em 730 dias. Dessa fornada saíram 100, em 100 dias. Tema foi que não me faltou. Mais do que nunca, entendo que o hábito faz o monge.
Desejar terminar era uma plantinha nascida de véspera e de sempre. Queria chegar ao cem por se tratar de um número dito “redondo”, festivo. Fui olhar um estudo de numerologia e descobri informações que me ajudaram a entender o porquê de não haver parado na 80ª. crônica, como me sugeriu uma amiga, após avisar que era possível puxar o freio de mão no momento que quisesse.
A primeira explicação a respeito do número 100 “revela um alto potencial, autossuficiência, independência e integridade. É um número para quem busca a liderança, fazer as coisas sozinho e realizar os próprios desejos. Ao ver esse número, a criatura precisa explorar novas ideias, ser mais determinada e mais positiva quanto a seu sentimento. Com as vibrações do número 1 e do 0 é possível buscar mais assertividade e plenitude.” Nada mal e bastante revelador para uma coleção de textos.
Sobre o 100 ainda aprendi que, quando vemos esse número, “ao acaso”, em algum lugar, é por obra dos anjos. Eles estão mandando uma mensagem, através do numeral, para que comecemos a prestar atenção em partes da vida para as quais não ligávamos e comecemos a seguir seus ensinamentos. Por orientação divina, o cem amplia a fé na intuição e isso poderá trazer mais alegrias e realizações. Esse número transmite a ideia de liderança, de estar no controle de tudo e a seguir na exploração de novas coisas. A plenitude do 100 pede mais positividade no fazer e não deixar a negatividade dominar.
Se eu acredito em Matinta Perera, em Saci, na Moça do Táxi, por que iria descrer ou minimizar a força energética do 100? O 1 é o elemento de maior força no 100, porque, reduzido a um dígito (1 + 0 + 0 = 1), fica 1 e transmite as suas qualidades, como a motivação, ambição, liderança, independência, autoconfiança, energia e criatividade.
Essencialmente o 1 significa novos começos e busca de realizações. A solidão presente no 100 é transmitida pelo 1, por ser ele muito individualista. O mais de todos, inclusive. Esse número nos influencia a ter mais vontade de tornar os objetivos reais. O 1, na numerologia, carrega imensa energia para começar novas coisas. Simboliza o início de tudo, com a influência da liderança. É mole?
E o zero, o pobre do zero? “O número 0 tem como principais características integridade, potencial infinito, compreensão e totalidade. O início de uma jornada espiritual e busca pela divindade. Na numerologia o zero é inalcançável, ele ressoa a energia do infinito e da eternidade, ele é ligado a questões espirituais e busca pela plenitude. Ele convida a aumentar a sabedoria interior e encontrar respostas. Aparecendo duas vezes no 100, aumenta a influência do 1, tornando o cem um numeral com qualidades acentuadas do número 1. Também aumenta a consciência para questões espirituais e amplia sua intuição”.
Existem algumas curiosidades sobre o número 100. Em um século há 100 anos. E em um milênio se alojam 100 décadas. O 100 é um número quadrado perfeito, com sua raiz quadrada sendo 10. 100 é o número do máximo e da perfeição
Até ontem eu não sabia nada disso e é provável que, daqui a pouco, nem lembre de mais nada a esse respeito, mas o importante é que carimbei o 100 nestas histórias, todas absolutamente verdadeiras, nascidas de um momento de desespero – ou quase – que, com a graça de Deus e ajuda de Nossa Senhora de Nazaré, superei. Por essa razão, por não me sentir mais à beira de um precipício, não vejo sentido em prosseguir debaixo do véu da agonia.
Creio que as cem crônicas fizerem bem maior a mim mesmo do que aos leitores. Primeiro, arrumei um jeito de passar o tempo, com responsabilidade, sem falhar um dia sequer, exceto quando a internet de casa resolveu parar. Mesmo assim não parei de escrever. Em outro momento, minhas horas eram consumidas mais fora do que dentro de casa. Mais fora do que dentro de mim. Segundo, precisei, em muitas ocasiões, ter força e coragem para me desmontar e me revelar fragmentado, frágil, indefeso, medroso, incompleto, errado, frustrado e tímido, como todo mundo. Mas jamais havia escrito isso a meu respeito, com todas as letras. Dizer dos outros é fácil. Nossa vocação para a promotoria da vida alheia é uma coisa impressionante. Complicado é apontar o dedo para si próprio, como se fosse o cano de um revólver na direção, ora do cérebro, ora do coração, e confessar-se por escrito.
Ao desnudar-me, ao mostrar como sou, de verdade, fortifiquei-me. Autobiografei-me no que, por enquanto, era necessário falar.
As crônicas não deixarão de ser publicadas. Talvez não o faça todos os dias, talvez faça, não sei. O que acaba é a série “Diário de um desespero – ou quase”. Enquanto permito que o corpo da coleção esfrie sobre a tela fria do computador, trabalho sem parar em um outro projeto, do qual darei notícias em breve. Muito em breve. Quanto ao livro com esse feixe de narrativas não tenho dúvida de que sairá. Quando, não posso prometer.
Em 2020 não haverá espaço para sessão de autógrafos, esse maravilhoso encontro de amigos, com direito a abraços (o que ainda está proibido), fotos, carinhos. Na última que fiz, dia 8 de dezembro de 2017, para lançar “O Casamento da Galinha”, tive a alegria de receber mais de quinhentas pessoas. Este ano, uma décima parte dessa quantidade já configurará aglomeração. Então, por que lançaria livro, se não posso ver os primeiros leitores?
Me sugeriram preparar um e-book. A ideia me agrada e o que receberei pelo trabalho comercializado no espaço virtual custeará o livro impresso. São planos plausíveis. Provavelmente inadiáveis.
Assim como os papagaios que a molecada solta ao vento, este “Diário” ganhou asas e foi “chinar”, digamos assim, em quintais longínquos de vários Estados e atravessou o mar. Conquistou leitores que, sem saber entre si, disputavam a primazia da leitura, com resposta imediata, em forma de comentário. Tânia Giestas, Edyr Augusto Proença, Maria Fernanda Pinheiro, Jô Bassalo, Walmir da Luz Fernandes, Breno Castro e Ana Clélia Bahia falavam da crônica poucos minutos depois de recebê-la. Foi exatamente assim, da primeira, 99 dias atrás, até ontem. Hoje, divido que seja diferente.
Dos quase mil contatos para os quais remetia, centenas acusavam recebimento; alguns ficaram indiferentes, muitos somente registraram e apenas um pediu que cancelasse o envio. Justificou que lia no Face, numa época em que eu havia, temporariamente, suspendido a utilização daquele canal. Estava claro que não queria mesmo. Ou então fazia leitura telepática. Isso é possível.
Alguns leitores deram asas às crônicas. Os professores da rede municipal de São Miguel do Guamá as receberam pelas mãos do Secretário de Cultura, Paulo Lira. O Blog Ignatiana que se inspira em Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, ordem que deu à Igreja de Cristo o papa Francisco, repartia o pão da palavra pela bondade do amigo Osmar Arouck. Minha querida Mady Bedran as compartilhou com leitores de Belém, Recife, Rio de Janeiro, Paris, Marseille e Macapá. Felipe Mello e Eduardo Rocha, de “O Liberal”, Paulo André Freire, Regina e Carlos Sampaio, mais Edy-Lamar d´Oliveira também comentaram todas – da primeira à última. O Instituto Silvio Meira, dirigido por André Meira, partilhou o material. A todos, deixo a certeza de que meu coração ainda procura as palavras certas para agradecer.
Minha filha Beatriz, tão sensível, tão inteligente, que fez as primeiras capas e, depois, quando já havia aprendido a desenhá-las, ajudava a escolher entre as opções oferecidas, também merece um obrigado mais do que especial. Obrigado de pai.
Emília e Mariana recebem beijos pela paciência e incentivo.
Muitas outras pessoas pediam licença para mandá-las a seus amigos. Quando batia a solicitação, eu agia como Paulo VI, no instante em que tinha sobre sua mesa a carta de um padre, querendo ser dispensado dos votos para poder casar-se: autorizava na hora. João Paulo II era mais rígido, eu diria mais cruel, com a sinceridade de seus sacerdotes. Só dava OK, se o suplicante contasse mais de 40 anos. Caso não, que aguardasse na fila do tempo até completar a “maioridade” para unir-se em matrimônio. Será que algum respeitou a vontade daquele que já era considerado ex-chefe?
Para terminar, um agradecimento digno de nota: ao acadêmico e amigo Célio Simões que, por um tempo, cuidou da revisão dos textos, evitando, assim, vergonha maior. Sobretudo de digitação. Minha cabeça é mais ágil que os dois únicos dedos com que digito e muita coisa se perde entre o pensar e o agir. Se um dia meus indicadores forem amputados, terei de reaprender a escrever.
Fora isso, faço, agora, da janela da crônica que se vai fechar, aquele gesto do coração, formado pela união das unhas dos meus preciosos indicadores com o encontro das digitais dos polegares e digo como o Zeno Veloso: sempre seu.

A série acaba aqui, mas as crônicas, se Deus quiser, não.
Assim que eu puder anunciar a novidade e o novo veículo de divulgação, vocês serão os primeiros a saber. Por enquanto, só posso dizer que a de amanhã será sobre Carmen Miranda.
Um beijo e obrigado, mais uma vez.
João Carlos Pereira (Belém do Pará, 1959-2020) jornalista, escritor, professor, membro da Academia Paraense de Letras.
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Imagem: Henri Matisse — Fenêtre ouverte, Collioure, 1905. National Gallery of Art, Washington, D.C.
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