O cartaz dourado entre os mais belos da história
Diário de um desespero – ou quase – LXXII
João Carlos Pereira
Mais uma vez, como acontece há muitos anos, a Mendes Comunicação conseguiu o impossível. O impossível, no caso, é a página em branco, uma fotografia da Senhora da Berlinda e a criatividade a serviço da beleza e da evangelização. O cartaz do Círio 2020, apresentado domingo passado, dispensaria qualquer palavra, porque ele próprio é eloquente nesse sentido. Trata-se de uma obra de arte, de uma pequena jóia. De um delicado gesto de amor.
Nele, unem-se um degradê dourado, construído sobre nuvens, em discreto formato de coração, que espraiam a luz emanada da Senhora, um caramanchão sinuoso, replicando o formato da berlinda, protege a imagem. Sobre as hastes laterais sobem rosas e cravos. O cartaz captou apenas um momento da floração, um instante privilegiado, que continua a existir no coração do fiel devoto. Aos pés de Nossa Senhora, assentada em nuvens brancas, os anjinhos, que parecem ter sido emprestados do Glória, brincam ao sabor do vento. Do mesmo vento que a Igreja acredita ser o Espírito Santo.
Há dois anos, talvez, Paulo Morelli fez uma berlinda maravilhosa, chamada de “berlinda barroca”, a partir de conceitos da estética posterior ao renascimento. Sua ideia foi construir uma berlinda esquecida num canto do jardim, enquanto a vegetação avançava sobre ela, cobrindo-a de flores. A proposta era perfeita, conceitualmente falando. Mas paraense gosta de flor colorida e não compreendeu bem o que poderia chamar de côncavo e convexo da cor. No ano seguinte, sua berlinda veio esplendorosa, entre nuvens. Foi aplaudida de ponta a ponta da Trasladação e do Círio, quando reapareceu vermelha.
A berlinda do cartaz do Círio 2020 também faz parte de um jardim e o artista que a produziu, cristalina, não transparente, encontrou-a não num jardim, mas num campo utópico de rosas e cravos. É juvenil, primaveril e, de alguma forma, evoca o tema “Uma jovem chamada Maria”, que fez um sucesso extraordinário.
Num cartaz de raríssima beleza, os ícones do Círio estão todos reunidos: a Santa, a berlinda e a corda, representada no trançado de flores. A Senhora, coroada rainha dos anjos, vestida com o manto do ano passado, concentra toda a luz, a luz de Cristo, do qual se faz anunciadora.
Há outras leituras possíveis, mas a que apresentei é suficiente para colocar a peça de 2020 entre as mais bonitas – pelo menos para mim – de todos os tempos.

Esse cartaz, de alguma maneira, é a anunciação da esperança.
Este ano, especial obra da Providência, o cartaz chegará a muito maior número de pessoas do que em qualquer outro momento. Devido à pandemia, a loja Lírio Mimoso, onde era comercializado, está fechada. Para facilitar a vida de todos, estará disponível nas lojas do Formosa, da Reinafarma e do Líder. Assim, ninguém precisará vir ao centro, ou a Belém, já que o Líder está espalhado por todo o Estado, apenas com a finalidade de adquiri-lo.
Até ano passado, cada cartaz custava dois reais. Agora, será vendido em combo de três, ao valor de dez reais. Tudo que for arrecadado irá para a Basílica, que passou, como todas as igrejas, por grandes apertos, enquanto esteve fechada.
Não é hora re reclamar. É momento de ajudar.
João Carlos Pereira (Belém do Pará, 1959-2020) jornalista, escritor, professor, membro da Academia Paraense de Letras.
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