Uma retrospectiva não convencional do ano 2023
Guilherme C. Delgado
O ano político de 2023 formalmente começa no Brasil no dia 1º de janeiro com a posse aparentemente mansa e pacífica do novo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas na realidade é a tentativa de golpe no domingo 8 de janeiro, que irá explicitar o verdadeiro jogo de forças ainda em curso (☆ ver Ataque e Defesa à Democracia – jan./2023).
Vencidas as forças desorganizadas de 8 de janeiro, o poder político emergente irá enfrentar setores organizados, orquestrando interesses e compromissos não programáticos das eleições de 2022: o sistema financeiro, a base parlamentar movediça do Congresso Nacional e parte expressiva da mídia corporativa, além evidentemente das forças de extrema direita derrotadas na eleição presidencial.
De certa forma refletimos esses desafios políticos em artigos datados, a exemplo de: “Sobre os juros brasileiros e a regulação das nossas finanças públicas’ (☆ fev./2023), que de certa forma antecipa uma queda de braço posterior entre o Presidente da República e o Presidente do Banco Central sobre a queda dos juros mais elevados do mundo, parcialmente ganha pelo primeiro.
Por sua vez, a montagem efetiva do novo governo, sob controle de uma base parlamentar movediça, mas capitaneada pelo ‘Centrão’, irá de fato impor condições à Governabilidade do Brasil e do Governo Lula (☆ maio/2023), mediante acomodações difíceis de se compatibilizarem com mudanças significativas de rumos nas políticas – econômica, social e agrária. Este fenômeno vai se evidenciando nos projetos de mais longo alcance do governo, a exemplo do Chamado Arcabouço Fiscal e da Reforma Tributária em duas etapas (☆ artigos de abril, agosto e setembro), cujos resultados finais ainda dependem de votações no Congresso neste final de ano.
Houve algum consenso no Congresso e na mídia corporativa sobre a primeira parte da Reforma Tributária sobre taxação e simplificação tributária dos bens de consumo, aprovados no chamado Imposto de Bens e Serviços, substitutivo do ICMS + Imposto sobre Serviços, com várias excepcionalidades. Mas restrições significativas a proposta governamental de taxação de fundos de investimento de brasileiros nos ‘Paraísos Fiscais’, expressão que até caiu em desuso na mídia em geral, substituída pela enigmática ‘localização offshore’.
Por outro lado, na agenda agrária, ecológica e de direitos étnicos com direta incidência sobre a posse da terra revela-se com grande clareza nível mais ostensivo de oposição às políticas não necessariamente de governo, mas principalmente de Estado. Refletimos esta problemática em vários artigos desde dezembro de 2022 (☆ Necessidade e Viabilidade da Política Agrária do Novo Governo em Conformidade Constitucional). Mas é principalmente a controvérsia em torno da tese inconstitucional do ‘marco temporal’ sobre a terra indígena, seu efetivo julgamento pelo STF em 21/09/23, depois de várias interrupções, que se instalará rebelião capitaneada pela Frente Parlamentar da Agropecuária com a aprovação seis dias depois -27/09/23, de Projeto de Lei inconstitucional, introduzindo o marco temporal e várias outras aberrações (PL 2903/23), com veto presidencial ainda pendente de votação pelo Congresso (artigos de junho e outubro).
Por último, para não tornar muito longa esta Retrospectiva, temos a desenvoltura da política externa do governo Lula, tirante alguns exercícios excessivos de retórica, acertos significativos na caracterização e denúncia do genocídio palestino em Gaza ( ☆ ver artigo anterior – “O que acontece quando se pratica a vingança infinita”); que infelizmente é lida com reticências pela mídia corporativa, muito comprometida com as versões do governo de Israel e da posição oficial norte-americana, cada dia mais rejeitada pelo consenso político internacional.
Não obstante tantas evidências da persistência do obscurantismo na política efetivamente exercitada, há um evidente saldo positivo de mudanças rumo às conquistas democráticas, certamente movidas pelas esperanças exercitadas não apenas na política convencional, como também nas muitas expressões da sociedade civil. E no final do ano podemos dizer sem jactância, que os resultados econômicos e sociais podem ser lidos pela metáfora do copo com água pela metade, que é visto por alguns como ‘meio cheio’; e por outros como ‘meio vazio’.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem em destaque: imagem gerada pelo Bing Image Creator
Ignatiana Visualizar tudo →
IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
