Significados de um “Arcabouço Fiscal” conduzindo a política


Guilherme C. Delgado

Ainda não temos, na data em que escrevo este artigo (10/04/2023), um texto oficial ou mesmo anteprojeto do Projeto de Lei Complementar que o Executivo encaminhará ao Congresso sobre o tão comentado “Arcabouço Fiscal”; de maneira que temos como referências para situá-lo – as declarações do Ministro da Fazenda Fernando Hadad e alguns breves textos escritos por ocasião da fala ministerial em linguagem ultra esquemática.

Mesmo assim, o pré-texto (não confundir com pretexto) tem sido o suficiente para formação da ‘banda de música”, agora meio desafinada, dos que condenam ‘a priori’ o ‘Arcabouço’. Há também críticas à esquerda sobras limitações daquilo que é conhecido; e de outro lado também a pretensão do Presidente da Câmara Federal Arthur Lira, de assumir um espécie de posição arbitral sobre o conteúdo do Projeto, em sintonia com o mercado financeiro; pretensão algo também desafinada com sua base parlamentar fiel, agora muito restringida pela criação do chamado Blocão (MDB.PSD, Republicanos e Podemos), com propósitos de autonomia política em relação ao Presidente da Câmara.

Mas afinal, de que trata ou se omite de fazê-lo o decantado ‘Arcabouço’, que tanta celeuma provoca nas hostes da política institucional? Esta é uma questão que se coloca instigante, perante o clima de reações já produzidas desde início de abril somente com a divulgação de um pré-texto, de algo que formalmente seria um esboço de política econômica.

O que foi anunciado até aqui é uma ideia de Projeto de Lei Complementar, que substituiria o teto de gastos orçamentários vigente desde 2016 (Gov. Temer). Teríamos a partir dessa nova regra uma disciplina orçamentária baseada nos limites da Receita Líquida Orçamentária, que confrontada à Despesa Primária do “Orçamento Fiscal e da Seguridade Social” somente poderia crescer até atingir o nível de 70% em 12 meses, em relação às referidas despesas primárias. A sobra dos cerca de 30% de Receitas Líquidas é presumivelmente reservada à despesa financeira com juros; mas essa sobra também cuidaria de atender potencialmente despesas obrigatórias constitucionais que não coubessem nos limites dos 70% referidos.

A aposta maior do novo Arcabouço é para o crescimento da Receita Líquida, seja pela taxação dos mais ricos (Reforma Tributária), seja pelo cancelamento de vários subsídios orçamentários que restringem a arrecadação federal. Seria, portanto, pelo crescimento mais que proporcional da Receita Líquida da União, que se viabilizariam os aportes necessários ao financiamento de investimentos em infraestrutura e das despesas obrigatórias em Seguridade Social e Educação, imprescindíveis a projeto de crescimento com algum compromisso redistributivo.

A ‘banda de música’ ainda desafinada do campo conservador achou pequeno o espaço fiscal para despesa com juros e segue escrevendo artigos todos os dias nos cadernos econômicos dos jornais e revistas da mídia corporativa, em geral com críticas ao pré-texto. O Presidente do Banco Central Roberto Campos Neto aparentemente se mostrou satisfeito com o anunciado pelo Min. Hadad, mas ainda se mantém irredutível à estratégia dos juros altíssimos.

Por sua vez, os críticos à esquerda observam que o já anunciado é insuficiente para disciplinar as finanças públicas, principalmente naquilo que tem a ver com as despesas diretas com juros da Dívida Pública e indiretas com subsídios financeiros com juros (abaixo da taxa SELIC), principalmente paras as políticas agrícola e industrial, que reclamam juros reais próximos à competitividade internacional, que no caso seriam substancialmente mais baixos. Mas como não há regras de finanças públicas a um semi-clandestino “Orçamento Financeiro”, sucedâneo do antigo “Orçamento Monetário”, aparentemente mesmo uma Reforma Tributário progressiva, que elevasse substancialmente a Receita Líquida do Orçamento, não geraria espaço fiscal para o crescimento econômico, mas tão somente para atender essa despesa financeira com juros (os tais 30% de potencial sobra compulsória a que nos referimos).

Isto posto, o novo Arcabouço Fiscal poderia ficar tão refém do rentismo financeiro, como já o é no presente sob a égide do teto de gastos (EC. 95/2016), condenando o sistema a se estagnar, algo que seria logicamente incompatível com a ideia de elevação persistente da arrecadação líquida da União, vinculada ao financiamento crescente do desenvolvimento e da Seguridade Social.

Finalmente, é necessário explicitar com clareza os interesses e necessidades que entram em jogo no debate cifrado do chamado “Arcabouço Fiscal’. Parece-nos da maior relevância revelar os jogos de interesse, explicando tecnicalidades de economia política, sem fazer truques ideológicos de comunicação pela desinformação das estratégias políticas em disputa.


Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Imagem: Alfredo Volpi (1896-1988). Reunião à Mesa, 1943. Enciclopédia Itaú Cultural.




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