Sobre os juros brasileiros e a regulação das nossas finanças públicas


Guilherme C. Delgado

Os juros brasileiros em comparações internacionais disputam há décadas o bastão dos mais elevados do planeta. Basta fazer uma comparação desde o Plano Real (1994) ao presente (2023) das taxas mínimas que o Banco Central administra (taxas SELIC) e compará-las com as equivalentes dos EUA, União Europeia, China, Japão, Coréia do Sul, Turquia etc., que em todas as conjunturas a nossa taxa básica é o dobro, o triplo ou até maior que o resto do mundo. Isto tem implicações econômicas e sociais muito sérias sobre crescimento e distribuição de renda e jamais poderia ser ‘naturalizado’ como normalidade de um sistema econômico. Basta verificar que essas taxas incidem sobre a Dívida Pública, que todos nós pagamos, para compreender ‘que há algo de podre no reino que não é da Dinamarca’.

Mas bastou o Presidente da República, com toda legitimidade que o cargo lhe confere, levantar a questão atual dos juros altos mantidos pelo BACEN, para se formar uma orquestra midiática de críticas contundentes à “ingerência” do Presidente na esfera de um Banco Central  independente (Lei Complementar nº 179 de fevereiro de 20210), tratado pelos áulicos da comunicação  como se dirigissem a uma República Independente do Banco Central  ou algo semi mitológico.

Mas afinal de que cuida esse Banco Central, além da moeda e dos juros, supostamente segundo seu  objetivo fundamental declarado – “…assegurar a estabilidade de preços” (Art. 1º da Lei Complementar 179/2021).

Na verdade, a moeda não é algum ente supremo e independente do conjunto das finanças públicas, que no contexto destas cumpre suas funções. A finança pública como espaço organizado do dinheiro público abrange a própria moeda, a Dívida Pública, as Reservas Internacionais em Moeda Estrangeira e as funções de equivalência cambial, por um lado; e por outro, os Orçamento Público, a tributação e a gestão dos haveres financeiros da União (Dívida Ativa para com a União). Portanto, isolar moeda e os juros do conjunto das finanças públicas só faz sentido como exercício abstrato de pesquisa, até porque é pela gestão da Dívida Pública, do câmbio e das Reservas Internacionais que se criam ônus ou bônus para Orçamento Público. E reciprocamente pela gestão e engenharia do Orçamento e da tributação – a chamada política fiscal, também se criam ônus e bônus à chamada política monetária.

Por outro lado, o que mais faz falta ao sistema de finanças públicas brasileiras é precisamente sua regulação integrada e integral, vencidas as compartimentações que campeiam de longa data, mas não resolvem a questão central da regulação consistente. E diga-se de passagem, não é por ignorância dos reguladores fiscais e monetários autarquizados, como se verá em sequência.


Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Imagem: Humberto Espíndola (1943-). Pecus e Pecúnia Discutem a Divisão, 1978. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.


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