Anunciar o Evangelho
Simone Furquim Guimarães
A liturgia da igreja celebra esta semana a oitava da Páscoa, tendo hoje como leitura o Evangelho de Mc 16,9-15. A pesquisa bíblica nos informa que este texto não pertence ao texto original de Marcos, é um acréscimo posterior. Isto é possível, pois podemos ver que no texto original as mulheres não anunciaram a ressurreição porque estavam com medo (cf. v.8). E neste acréscimo, o narrador inicia o texto fazendo uma síntese do relato anterior, mas o modifica, dizendo que as mulheres efetivamente anunciaram a ressurreição de Jesus.
Elas anunciaram, porém, agora o problema não se concentra mais em torno do medo, mas sim em torno da fé. Tanto que o próprio Jesus repreende os onze discípulos por não acreditar no testemunho de Maria Madalena e de outros dois seguidores. A missão dos cristãos é de anunciar o Evangelho, mas como anunciar se não acreditam na ressurreição?
O Evangelho de Marcos foi escrito no contexto histórico de guerra entre os romanos e os judeus. Haviam destruído o Templo de Jerusalém e matado milhares de pessoas. É compreensível que os primeiros cristãos estavam com medo, apavorados. O Evangelho foi escrito para animá-los, mostrando que mesmo diante do medo, a fé é a força que nos move para mantermos vivos, em comunidade, seguindo os ensinamentos do mestre. Essa memória de Jesus é a ressurreição na vida das primeiras comunidades. Por isso, o Evangelho chama a atenção, alertando que a fé na ressurreição é o ponto de partida das comunidades cristãs e é nosso ponto de partida também.
Agora, fazendo uma leitura na ótica das mulheres, é importante e necessário mostrar que nos quatro Evangelhos Maria Madalena foi a primeira a proclamar o principal dogma de nossa fé. Por este motivo, ela era considerada a Apóstola dos Apóstolos pelas comunidades cristãs.
Mas, por outro lado, no final do primeiro século, havia cristãos que não aceitavam a liderança de mulheres nas comunidades. Nas cartas deuteropaulinas, como cartas a Timóteo e Tito, que são escritos desse período, as mulheres são consideradas pecadoras porque alegam que Eva foi quem introduziu o pecado no mundo e por isso, as mulheres devem ser silenciadas, perderam a liderança na igreja (1Tm 2,12-15).
Mas se queremos ouvir as vozes das mulheres e visibilizar seu protagonismo – como foi muitas vezes apresentada nas leituras bíblicas desta semana, onde vimos que elas seguiram (discípulas), serviram (diaconisas) e subiram com Jesus até Jerusalém e ao pé da cruz (Mc 15,40-47) – podemos ousar e reconstruir essas histórias, dizendo que nós somos testemunhas desta ressurreição porque carregamos conosco a fé no Cristo libertador! Daquele que ensinou um projeto de inclusão de todos/as na pertença à filiação divina, à salvação, à equidade de gênero e à prática da solidariedade e da justiça social.
Por isso, muitas mulheres e homens, em sua missão, anunciam esse Jesus libertador, mesmo que enfrentando incompreensões e julgamentos sumários por algumas igrejas que impedem ainda a voz e a vez dessas pessoas.
Que Santa Maria Madalena seja para nós exemplo de fé e coragem na missão cristã!
Brasília, 15 de abril de 2023.
Ouça no Podcast Ignatiana [link]
Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.