Os próximos lances das políticas de Estado e da base parlamentar do Governo


Guilherme C. Delgado

O leitor atento percebe que a base parlamentar do governo Lula, medida especificamente pelos Partidos Políticos que o apoiaram no segundo Turno, algo em torno de 128 deputados de um total de 513 componentes da Câmara Federal, é bem menor que os votos obtidos pelo Presidente na última eleição – no entorno de 52% dos votos válidos.

Percebe também que há um “Centrão!” de Partidos Políticos (União Brasil -ex-PFL, PP, MDB, PSD e Republicanos) com bancadas em conjunto de 234 parlamentares (45,6% da Câmara Federal), cada partido com um mínimo de 42 deputados e um máximo de 59 (União Brasil), que integrariam oficiosamente o Bloco Governista, com direito a indicar Ministros e outros cargos relevantes do segundo escalão de governo.

Esse  bloco do ‘Centrão’ partidário na Câmara Federal e também no Senado, com proporções pouco diferentes aritmeticamente mas parecidas politicamente, é de fato quem define a maioria, seja aliando-se aos partidos de centro-esquerda que elegeram Lula, seja em relação ao Partido PL, do ex-presidente Bolsonaro, com seus 99 deputados.

Por outro lado, há uma agenda de prioridades políticas e sociais do governo eleito, definida ainda para este primeiro semestre do ano, requerendo maiorias simples ou qualificadas (3/5 em cada Casa do Congresso no caso das Emendas Constitucionais), que reclamam apoios desses partidos do Centrão citados e de outros mais 10 partidos periféricos, controlando cerca de 10% da Câmara Federal.

A agenda parlamentar do primeiro semestre publicamente anunciada pelo Governo envolve pelo menos dois Projetos de Emendas Constitucionais – a Reforma Tributária com compromisso à progressividade dos tributos e obviamente correção das regressividades vigentes (ou em bom Português – taxar os mais ricos e desonerar os mais pobres); e ainda a Emenda Constitucional 126 do chamado novo ‘Arcabouço Fiscal’, para substituir a Emenda Constitucional n. 95/2016 sobre o ‘teto de gastos’.

Por seu turno, dentro da própria agenda administrativa do governo federal há notórias prioridades sociais, ambientais, agropecuárias etc., que demandam ainda neste primeiro semestre, providências de conteúdos notoriamente distintos daquilo que se praticou no governo anterior. Vou citar apenas um exemplo lapidar- o Plano Safra Agropecuário do primeiro ano agrícola do governo Lula – 2023/2024 -, que precisa ser editado até dois meses antes dos períodos de plantio (Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Este precisaria sinalizar mudanças de rumo na política agrícola, para incorporar duas prioridades até aqui ausentes – transição ecológica e segurança alimentar. Isto porque, a tradição recente desses Planos Safra têm caracterizada verdadeiro ‘tiro no pé’ à política ambiental, levando o Pais a ostentar um espaço rural altamente contaminador (emissão de 79% dos gases do efeito estufa do País, segundo a COP. 27 de 2022) e o Brasil ostentando o 6º lugar mundial da referida contaminação.

Por sua vez, as prioridades da segurança alimentar precisariam também se inserir neste primeiro Plano Safra; e não apenas sua única prioridade, que tem sido a exportação de ‘commodities’ a qualquer custo.

Não é necessário ser cientista político para perceber que a agenda parlamentar no campo econômico e a agenda social e ambiental no âmbito administrativo demandam uma capacidade excepcional para obter consenso nos Partidos do Centrão. E como não se opera magicamente em política, está faltando algo para mudar qualitativamente o fiel da balança político-parlamentar.

Todos sabemos,  que não faz parte do DNA do político do Centrão agendas da igualdade social, questão ecológica, segurança alimentar, desenvolvimento com equidade etc., mas outros termos como o chamado ‘fisiologismo’ político, cuja peça por excelência mais recente é o assim denominado ‘orçamento secreto’. E todos também sabemos, que sem os votos parlamentares do ‘Centrão’, não se governa.

Sair desse dilema, da parte do governo, não se faz sem vigorosa participação da sociedade civil organizada e dos setores populares diretamente envolvidos na agenda de verdadeiras reformas estruturais, que o País precisa para se tornar governável.

Precisamos atentar para o fato de que até muito recentemente – ‘Centrão’, Sistema Financeiro e governo de extrema-direita estiveram ligados umbilicalmente; e que a simples eleição de um Presidente ligado aos setores de centro-esquerda, não é suficiente para reverter a situação; que pode sim configurar a de um governo refém desses três grupos de poder, tudo mais permanecendo constante.

Finalmente, até para despertar as pedras, é preciso que as iniciativas de mudança política do governo Lula se expressem claramente em linguagem de compreensão geral, para que a sociedade civil organizada possa efetivamente ocupar o espaço ora vazio dos movimentos de cidadania ativa. É necessária também comunicação social expedita dos interesses em jogo, até porque não se pode esperar da mídia corporativa, com as exceções de praxe, papel informativo e formativo de opinião pública na linha do interesse geral e do bem comum.

Atores políticos precisam se mexer, porque a inércia reproduz o ‘status quo’ da ingovernabilidade, permeada por transações nada republicanas e até rupturas institucionais, de que a história recente nos dá conta.


Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Imagem: Alvaro Vaz (1964-). Xadrez, 1989.



Economia Guilherme Delgado Justiça e Paz Política

Ignatiana Visualizar tudo →

IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: