Importar-se com o outro
Simone Furquim Guimarães
O tema da Campanha da Fraternidade deste ano (2023) é sobre “Fraternidade e Fome”; e o lema é uma exortação de Jesus aos seus seguidores: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Esta exortação está no Evangelho de Mateus, 14,13-21, o qual iremos refletir hoje.
O texto de Mateus nos informa que Jesus teve compaixão da grande multidão que o procurou para aliviar seus sofrimentos e doenças. Jesus passou o dia todo curando aqueles que estavam doentes, certamente ouvindo as suas aflições. Chegando próximo ao anoitecer, os discípulos disseram a Jesus: “O lugar é deserto e a hora já está avançada. Despede as multidões para que vão aos povoados comprar alimento para si”. Mas Jesus lhes disse: “Não é preciso que vão embora. Dai-lhes vós mesmos de comer”.
Os discípulos queriam dispensar os famintos porque não entenderam ainda sobre o projeto de Deus ensinado por Jesus. Este projeto inclui o cuidado para com o próximo como valor fundante das relações humanas. O Evangelista mostra no relato o sentimento de Jesus: teve compaixão; este relato é para nos mover a sermos também humanos como Jesus foi.
Porém, os discípulos não compreenderam e questionaram Jesus sobre a insuficiência de alimento (cinco pães e dois peixes); isto porque ainda pensavam e agiam conforme a lógica do sistema do império romano, que naturalizava a desigualdade e a injustiça social. A carta de São Tiago vai denunciar essa forma de tratar o próximo: “Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos”, e não lhes der o necessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso?” (cf. Tg 2,15-16). São Tiago nos alerta também a ter compaixão para com o próximo que está sofrendo dentro dessa injustiça social. Não podemos ficar indiferente e naturalizar as injustiças sociais.
O Evangelho nos alerta que enquanto não mudarmos nosso jeito de ver e pensar o mundo e as relações sociais, continuaremos agindo como os discípulos: indiferente à desigualdade social. Os discípulos não tiveram sensibilidade em entender que aquela multidão não poderia comprar nada porque eram miseráveis, estavam à margem da sociedade e eram como que “ovelhas sem pastor”, pois estavam excluídas também do sistema religioso.
Devemos nos importar com o outro, perceber que as condições que estão vivendo são injustas; isto implica em desmascarar e denunciar todo mecanismo de opressão, espoliação e empobrecimento da vida social, que são geradores de divisões, privilégios e violências. É preciso dizer que a fome não é devida às catástrofes naturais, mas resultado em grande parte da lógica perversa operada nas relações econômicas e de produção geridas pelos grandes donos do capital (indústria da guerra, multinacionais, indústria farmacêutica, mineradoras, latifundiários, mercado financeiro, grande mídia) – os principais responsáveis pela fome no mundo.
Que neste período litúrgico, seja tempo propício para nos desprender da ótica do mercado, do lucro e do poder econômico para nos revestir de uma nova humanidade, que têm compaixão pelas pessoas que sofrem. Oremos para que assim possa sobrar doze cestos cheios em nossas partilhas, símbolo da abundância de vida, de dignidade e justiça para todos. Amém!
Ouça no Podcast Ignatiana [link]
Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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