Stella Maris Moraes

Muito bom seria poder expressar cada experiência vivida, auxiliada pela Espiritualidade Inaciana, e como tudo isso me fascina. Dessa forma, quero fazer uma partilha de vida a respeito da minha experiência de encontro com Deus, vivenciada por meio dos Exercícios Espirituais de 30 dias em Etapas. Escolhi a Espiritualidade Inaciana porque fui envolvida pelo amor de Deus, nos Exercícios Espirituais. E, por isso, conto um pouquinho daquilo que pude saborear. Fazendo-me refletir: até onde pode nos levar a Espiritualidade Inaciana? Somente até o coração de Deus. E quem está no coração de Deus? Eu, você, a humanidade e toda a Criação. O insondável amor sem limite, o fogo que nos aquece, que queima, que arde, que sonda, que purifica, que dança, que baila dentro de mim e faz vibrar todo meu ser em uma corrente de amor, que se espalha em mim, na humanidade e em todo o criado. O fogo que nos faz unir e ter o mesmo coração de Deus. O fogo que entra em cada coração humano, tornando o nosso coração o coração de Deus. Imbuída desta presença amorosa, sou chamada a mergulhar mais e mais neste mistério sem fim, neste mistério de amor em excesso. 

No desejo de alcançar o inalcançável que sempre nos apresenta o MAGIS, parti para a mais fascinante aventura interior. Foi Deus, na realidade, quem decidiu vir ao meu encontro. E, neste encontro, fui envolvida por um forte desejo de silêncio interior, de escuta e de encontro, de ter luz no olhar e ver o mundo a partir de Deus, abraçar sua causa, a causa de Jesus Cristo.

Aprendi que o ser humano só se realiza na experiência do amor de Deus. Então, no caminho com Jesus para Emaús, eu também vou, sinto sua presença amorosa e tomo consciência das Escrituras, escuto a voz de Jesus que, com seu carinho e amor, vai- me abrindo a inteligência para tudo compreender, coloca-me em peregrinação e me convida à partilha. Conhecer Jesus Cristo é imbuir-me do Mistério Trinitário e é neste instante que a Trindade que em mim sempre se manifesta, trazendo junto Maria, vem e me envolve em uma belíssima dança de amor. Em minha história, todos os fracassos e as conquistas foram necessários para acontecer meu mergulho no Mistério Redentor. Não existe experiência sem nossa real história. O único pedido que nos é colocado é aprender com Jesus o amor sem medida.

Minha experiência foi, do início ao fim, conduzida por Maria que vai, pouco a pouco, revelando o rosto misericordioso de Jesus. Na experiência de ser Zaqueu, que alegria! A graça de voltar a ser criança, de subir para ver Jesus e descer correndo, pois Ele quer hospedar-se em minha casa. Preciso tornar-me criança para alcançar Deus.  A Luz da graça do Espírito Santo não cansa de jorrar. Uma riqueza de graça, um dinamismo de amor aconteceu e acontece nestes dias. Nem tudo se pode expressar. É uma graça escondida que atinge Deus, o outro e eu.

“Natanael… Três dias depois”. Na presença de Jesus e de Maria, temos um só coração (…). Sentimento de paz e um profundo silêncio envolveu-me, mais que isso, como um lugar, deslumbramento, realidade, interioridade de Deus. O meu mundo interior se abriu. Neste dia, não houve quatro tempos de oração, foi um só tempo, durante todo o dia. Sentimento de paz, segurança, fortaleza, consolação… O Espírito Santo vai trabalhando a grande realidade de nossa vida, de minha vida, conhece o coração de todos e nenhuma dor é ignorada. Por isso, posso encontrar a paz. O Espírito de Deus me faz perceber que tenho um mundo interior. “Deus de nossos pais te predestinou para conheceres a sua vontade e veres o justo”. De minha parte, somente silêncio, da parte de Deus o trabalho interior. Uma experiência incapaz de ser explicada, de colocar para fora, foi uma resposta de Deus à minha busca. “Levanta-te e vai a Damasco…”. A Luz que brilhou para Paulo também brilha para mim. Sempre será Damasco. O Retiro foi ganhando uma forma circular, tudo se tornou uma só coisa, um só dia. Nosso Deus não tem dia e nem hora e nos fala no hoje de nossa existência. Meu retiro não foi alguns dias de oração, foi, sim, o tempo de Deus em mim que se tornou o meu tempo em Deus. Na realidade, a profundidade de uma experiência de Deus não é acessível ao nosso vocabulário ou à nossa capacidade de expressão.

Deus nos quer purificados, porque sabe que temos uma única essência. Todo o mais que ajuntamos pelo caminho não nos pertence. Deus quer nosso silêncio – reverência que escuta, que se deixa ser amado, que se abre à dignidade, à humanização. Deus vem ao nosso encontro, quando abrimos nosso espaço interior, Ele fala ao nosso coração, escuta nossa voz interior. A salvação acontece cada vez que abrimos espaço em nosso ser, acontece a cada dia, pois, em Cristo, nos tornamos e somos salvos, todos somos essência divina.

“Sou Eu, o Senhor”. Deus é revelação e bondade, Ele me acompanha no caminhar, na peregrinação – “Vai eu te envio”. Nunca estamos sozinhos(as) pois o próprio Jesus se põe conosco no caminho, pôs-se comigo, no Emaús de minha vida, e põe-se com cada um(a) na peregrinação de cada dia. Ele quer se revelar a todos. É hora de deixar o passado para trás, o que tem a ver com um futuro de confiança em Deus e na capacidade que Ele me dá. Caminhar para frente, buscando crescimento, integridade e Amor-Serviço. Encontro com o que sou e com o que posso ser, libertar-me do passado e inaugurar o futuro.

“Moções não vividas viram poeira”. É agora o tempo do Espírito Santo. Sou chamada a compreender que o mesmo Espírito que moveu a obra de Salvação, no seio da Virgem Maria, está trabalhando em mim. Chamada a prestar atenção à sua presença. “O Espírito do Senhor me consagrou, me enviou para Evangelizar os pobres”. Chamada a seguir Jesus Servo, principalmente nos pobres, deixar-me ser conduzida pelo Espírito de Deus. Jesus colocou a bacia em minhas mãos, para que eu pudesse ajudá-lo, o que foi para mim um forte sinal de envio, de estar em sua companhia e com Ele servir. E na contemplação de sua Paixão, a dor do grito de Jesus dói em mim e me une à dor da humanidade, a dor dos refugiados, dos jovens, das crianças, dos que fogem da guerra, dos que arriscam tudo e morrem no caminho.  Em minha oração contemplo Maria, nela ressoa o mesmo grito de Jesus e o grito da humanidade que sofre.

É hora da sepultura, mas no sepulcro não cabe o corpo de Jesus, Ele é grande demais… A Trindade está ali nos redimindo… a Trindade nos abraça, nos consola, confia a nós a missão de Jesus, humano e Filho de Deus. A Trindade nos acolhe em seu seio e nos faz participar da sua alegria, do seu amor sem limites – amor Eucaristia, tudo é um só – amor sem limite, amor em excesso. Emergida nesse mistério de amor-doação, vivo a experiência de limpar o Corpo de Jesus morto, com a mesma toalha e bacia a mim entregues por Jesus na experiência do Lava-pés. Limpei seu corpo cheio de sangue para a sepultura e lavei-me com a água do sangue, derramando-a em mim, da cabeça aos pés, remetendo-me a toda minha experiência de purificação, na Primeira Etapa. Lavei, ao mesmo tempo, com Cristo, a dor da humanidade, e a água foi para a terra e purificou o mundo inteiro.

Jesus quer me abraçar no pobre, no sujo… “Toda transformação nas pessoas, no mundo, vai acontecer através de vocês”, diz Jesus. Na comunhão com Cristo, posso revestir-me de seu Corpo e de seu Sangue. Toda palavra que ouço é viva e cai dentro de mim, dando-me força e dignidade. O Encontro se dá na iniciativa de Jesus que vem, abraça e os corações se unem em um só. E o mesmo faz Maria. Quanta alegria, gratidão e amor sem fim… A comunidade de amor se aproxima e se transforma em uma multidão, tornando-se um no coração da Trindade. Coração que se espalha a cada ser humano, infundindo a Trindade em cada pessoa. É Pentecostes, é a Trindade que veio habitar em nós. A Escritura se perde no seu início e em seu fim, pois lado nenhum tem limite e tudo é vivo, glorioso, ressuscitado, somos um, em Cristo, início, meio e fim, com Ele, na Trindade.

Sob o olhar maternal de Maria, Jesus me consagra ao coração da Trindade, com seu Sangue derramado e a água límpida que jorra para a vida eterna. Consagrada e enviada em missão. Pessoas marginalizadas, não faltava ninguém. Era a Igreja reunida. Sou chamada a ter um coração aberto, pois as surpresas do Senhor nunca irão faltar. Acolhendo a graça, não preciso colocar-me na Presença, pois tudo é Presença. O Senhor me lança o convite à confiança e a crescer na capacidade de amar, o que é sempre uma constante no atuar de Deus. Ele tudo ressignifica e, desde já, nos deixa experimentar a Ascensão.

Quando queremos de fato, o Céu se abre, mostra o espaço que temos dentro de nós, e contemplamos o enorme vazio interior, onde há espaço para a manifestação divina. Assim, a Sagrada Escritura deixa de ser letra para ganhar vida, no seu agora, no seu antes e no seu depois. E o Senhor me dá a oportunidade de, desde aqui na terra, conviver com minha história, também no seu antes, no agora, e no seu depois, de forma que minha vida venha a tornar-se um movimento sem fim, pois tem sua origem e plenitude no Mistério Trinitário.

É na formatação de nosso ser que damos lugar para que o Espírito de Deus possa se fazer visível, transparente e dar início à sua ação transformadora em nós. Os Exercícios Espirituais nos apontam um início, mas nunca haverá um fim. Na experiência de ressuscitar com Cristo vou com Ele celebrar a peregrinação realizada, comer peixe assado, bailar, estar com os corações unidos em um só, corações que transparecem em nosso peito como um fogo abrasador, com Maria, com a Trindade, com a Igreja que vibra com a realização da promessa e com toda a humanidade regenerada em Cristo. Pois foi aí, na festa de Pentecostes, na mesma praia do encontro, onde Jesus me confirmou na fé, no amor, na missão. No seio da Trindade que bailava no meio de nós, me vejo abrasada por um fogo de amor; vejo sair dali um grande coração, que se distribuiu em pequenos corações e pousou em cada um, em toda multidão reunida. Era a Escritura de seu hoje, do seu antes e de seu depois. “Todos tinham um só coração e uma só alma e não havia necessitados entre eles”. Assim, fui reconhecendo meus dons, que brotam de um Deus de ternura, de bondade, de amor. Tomai, Senhor!

Maria está no Cenáculo e senta comigo nessa alegria pascal e na efusão do Espírito de Deus. Posso compartilhar uma peregrinação dura, necessária, mas que já não existe dor e nem lágrimas, acabou o espaço para a tristeza, não haverá mais lugar longe da presença do Ressuscitado, foi uma alegria sem fim que preencheu o universo. O céu e a terra estão cheios de vossa glória. É agora o meu tempo missionário, “O Espírito de Deus está sobre mim, Ele me ungiu para…”  Abre-se o leque do meu coração e, com Jesus, contemplo o mar, um convite de Jesus à abertura, depois confirmado com as palavras do acompanhante do Retiro. Abandono, entrega, energia, Espírito Santo, confirmação. “Eis aqui a serva do Senhor”, com Maria e com Jesus, servir a muitos. Gratidão, gratidão, gratidão. Correndo ao Encontro do amor, é Jesus quem se debruça mais uma vez para agradecer e assegurar que tudo está sendo preparado. “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu…” O universo inteiro está cheio da glória de Deus. Na celebração da Eucaristia dou-me por inteira ao Senhor, por tudo dou graças e coloco-me no coração da Trindade, com Maria. Amém.

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Stella Maris Moraes é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade São Paulo Apóstolo, Belo Horizonte (MG).

CVX: Uma Vocação

Imagem: Gilberto Salvador (1946-). A Glória do Arco, s.d. Enciclopedia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.

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