Exercícios Espirituais e virtualidade

Odilon Gonçalves de Castro

Observo a busca por uma espiritualidade que integre as várias dimensões da vida. Ou seja, as pessoas estão sedentas por algo que lhes dê sentido e direção em sua existência. A espiritualidade inaciana responde a este desafio, educando nosso olhar para experiências cotidianas de Deus que poderiam passar despercebidas. Através do encontro com o Senhor na oração diária, instala-se uma dinâmica de ver novas todas as coisas em Cristo. Isto proporciona chaves de leitura da fé que dão maior densidade e harmonia interior aos que a experimentam.

Compartilhando essa percepção com companheiros de comunidade e motivados por esse potencial integrador da espiritualidade inaciana a CVX Minas Gerais promoveu retiros on line no tempo do Advento e no tempo da Quaresma, abertos a todos que quisessem aprofundar estes tempos litúrgicos iluminados pela metodologia de Santo Inácio de Loyola. A procura foi grande e várias pessoas se animaram a participar destas experiências. Ao final, a avaliação foi de que a espiritualidade inaciana renovou suas vivências de fé e integrou de maneira nova vários aspectos de suas vidas.  Dado o sucesso desta experiência, constituímos uma nova equipe e criamos um retiro virtual que denominamos “Retiro Inaciano na Vida Cotidiana – RIC”. A proposta da primeira etapa consiste de encontros virtuais durante oito semanas, em que iniciamos o EVC. As pessoas foram convidadas a praticar a oração pessoal diária com duração mínima de 30 minutos e participar de dois encontros grupais semanais, em tempo real. Em um dos encontros dou os pontos de oração para todos os retirantes, que chamamos aqui de grupo maior, e no outro acontece uma partilha da oração em pequenos grupos acompanhada por uma pessoa mais experiente nos Exercícios. Cada pessoa pode solicitar um acompanhamento pessoal sempre que necessário. Finda a primeira etapa, seguem-se outras três, também de oito semanas cada uma, que completam a experiência do EVC.

Atualmente, há dois grupos fazendo o RIC, em etapas distintas do retiro. Neste artigo, compartilho alguns aspectos destas iniciativas.

Percebo que utilizar as tecnologias comunicacionais atualmente disponíveis tem facilitado o acesso à espiritualidade inaciana. Alcançam várias pessoas em diversos locais que, na forma presencial, talvez não conseguissem fazer os Exercícios Espirituais. A popularização dos telefones celulares e similares favorece a participação neste tipo de experiência. De outro lado, as dificuldades de manuseio dos aparelhos e conexões de internet de baixa qualidade ou de alto custo ainda representam empecilhos para alguns. Mesmo assim, um número expressivo de pessoas aderiu a esta empreitada.

Estamos imersos em uma cultura imagética, potencializada e difundida pelo uso de diversas ferramentas midiáticas tais como softwares para realização de webconferências e redes sociais. Frequentemente, estes recursos alimentam uma sociedade do espetáculo com aspectos deletérios para a dignidade de pessoas e instituições. Presenciamos um uso considerável da imagem para construir ou consolidar valores e criar hábitos de consumo e necessidades. Com tudo isso, a imagem faz parte de nosso cotidiano e conteúdos que nos chegam dissociados dela são absorvidos com dificuldade ou até mesmo ignorados.

Nesse contexto, o uso de recursos audiovisuais para a apresentação dos pontos para a oração tem sido um auxílio importante. A adequada articulação entre as imagens e o conteúdo que se quer motivar a rezar, facilita o entendimento da matéria de oração e aproxima os exercitantes das propostas de Inácio. Verificamos o mesmo efeito benéfico na explicação de tópicos da metodologia inaciana. Vale salientar que usamos softwares já muito difundidos e considerados rudimentares se comparados à tecnologia comunicacional utilizada em nossos dias.

Outro recurso importante são as músicas. Ajudam a enfatizar e dar leveza ao conteúdo apresentado através da poesia da letra e da sonoridade da melodia. A música de cunho religioso – litúrgica em geral, salmos cantados ou aquelas utilizadas em encontros – adequadamente articulada com o tema de oração leva a um clima orante nas colocações. De singular ajuda têm sido as composições do Grupo Oração pela Arte – OPA – que logram combinar poesias que nos remetem às etapas dos Exercícios com melodias que nos levam à contemplação.

Não menos importante é o papel da música popular brasileira. Apesar de este tipo de música não ter sido criado para transmitir um conteúdo religioso, sua beleza e a riqueza das letras também falam de Deus ao exercitante. Para muitos traz uma aproximação afetiva à vida espiritual, posto que à identificação que já sentiam com a obra musical associa-se a descoberta de que essa beleza lhes remete a uma espiritualidade encarnada no cotidiano. Experimentam uma renovação da fé e da mensagem de Jesus Cristo, que ultrapassa os limites dos espaços sagrados e invade também sua rotina diária. Isso traz bastante alegria a alguns.

Os encontros virtuais do grupo maior iniciam-se com um momento de oração comunitária. Neste espaço temos utilizado largamente dinâmicas que favorecem a oração além das músicas como já apontamos anteriormente, e enfatizamos alguns pontos. Um deles é o resgate da importância da participação feminina na Igreja. Além da constatação do número majoritário de mulheres que participam dos retiros e dos vários grupos eclesiais, seu papel e importância em nossa Igreja não têm sido adequadamente valorizados. Seguimos atentamente os movimentos do Papa Francisco também nesse campo.

Em vários momentos de oração utilizamos como motivação a vida e o testemunho de pessoas como Santa Maria Madalena, Santa Catarina de Sena e Santa Hildegarda de Bingen. Deram valiosas contribuições às comunidades cristãs ao ponto de serem reconhecidas como figuras singulares onde viveram, rompendo as barreiras dos preconceitos contra as mulheres que existiam em seu tempo. Lentamente, foram esquecidas através dos mecanismos de desvalorização feminina de nossas sociedades patriarcais ocidentais e foram redescobertas ou revalorizadas a partir da metade do século XX. Essa iniciativa não passou despercebida, pois gerou respostas imediatas e positivas nas mulheres dos grupos, que se sentiram impelidas a se manifestar já ao final da oração comunitária.

Outro aspecto destacado nas orações comunitárias é a contexto de desigualdade social e empobrecimento na América Latina e Caribe. Em consonância com o manual “Exercícios Espirituais na América Latina” publicado em 2011 pela CPAL Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina ), julgamos ser muito importante que os Exercícios Espirituais sejam dados “a partir da situação de nosso continente” e que contribuam para “um dos maiores desafios da V Conferência: a centralidade do encontro com Jesus Cristo” na formação do discípulo missionário. Para potencializar a conexão entre Exercícios Espirituais e a realidade da nossa região, fornecemos aos participantes textos complementares que evocam a opção preferencial pelos empobrecidos – feita pela Igreja em Medellín e Puebla – e selecionamos músicas que levam a um olhar orante para esses nossos irmãos.  Neste particular, destacamos a obra dos compositores Zé Vicente e Zé Martins e apontamos como referência importante a vida de Santo Oscar Romero.

O grupo de partilha tem um lugar importante também nesta modalidade de EVC. A limitação do tempo individual de partilha leva o exercitante a revisar com mais objetividade sua oração diária e evidenciar os momentos centrais de sua experiência semanal.  Facilita a percepção de apelos e resistências em sua caminhada espiritual. A escuta da partilha dos outros frequentemente anima, confirma as descobertas e evidencia a ação do Espírito em sua própria oração.

A proposta do RIC atraiu um público diverso. Pessoas de vários lugares do Brasil e com faixa etária variada, embora a maioria se situe entre os 40 e 80 anos de idade. Temos uma maioria feminina, porém com uma presença significativa de homens. Todos são leigos e aproximadamente um terço pertence à CVX. Boa parte do grupo não havia feito nenhuma experiência anterior com a metodologia dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.

Observamos um entusiasmo crescente com a espiritualidade inaciana. Os que já a conheciam relatam um encantamento com a capacidade dos Exercícios de ressignificar suas experiências de fé e descortinar novos horizontes. Os iniciantes se espantam com o conhecimento profundo do coração humano demonstrado por Inácio e manifestam o desejo de conhecer mais a fundo o processo de conversão do santo.

É com muita alegria que compartilho o quanto esta experiência tem sido gratificante para todos os envolvidos na organização do RIC. O crescimento espiritual dos participantes confirma nossa missão ao mesmo tempo que nos remete à nossa própria experiência com os Exercícios. Embora o encontro virtual nos prive de uma visão global do corpo da pessoa e da proximidade do olhar, ele nos permite vencer barreiras geográficas e escutar a voz de Deus com vários sotaques. Alimenta nossa experiência missionária e nos incita a refinar a nossa escuta.

O Senhor se manifesta, muitas vezes, com suavidade e delicadeza naquele que está diante de nossos olhos, e é sempre uma graça presenciar como Ele se dá a todos nós.

Texto citado:

CPAL. Exercícios Espirituais na América Latina. Rio de Janeiro: ANEAS, 2011. p.8


Odilon Gonçalves de Castro (1962-2022) foi um leigo, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade São Paulo Apóstolo, Belo Horizonte (MG).

Texto originalmente publicado em Itaici Revista de Espiritualidade Inaciana, n° 127, p. 93-96, mar. 2022.

Comunidade de Vida Cristã (CVX) Espiritualidade cristã Leigas e leigos

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

4 comentários Deixe um comentário

  1. Os Exercícios Espirituais são uma grande escola de oração. Não participei diretamente desse RIC, mas vi seus frutos. Dou graças a Deus pela inspiração de Santo Inácio e por tantas pessoas que se dispuseram a oferecer essa experiência. Paz eterna Odilon!

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  2. Odilon era, no melhor sentido da palavra, um pescador. Seu passo não se detinha ao vislumbrar a possibilidade de anunciar o Reino. Suas pegadas se confundiam com as de Santo Inácio e como ele, despertou profundamente em tantos o amor pelo Reino.
    A CVX te envia amigo, com imensa gratidão, para os braços do Pai!

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