Sustento na noite escura
Ana Maria Andreazza
Sempre soube que queria ser mãe. Mesmo antes de casar, já pressentia esse amor maternal, já desejava e sonhava com nossos filhos! Nos votos de matrimônio, ambos expressamos o desejo de gerar e receber, no amor, os nossos filhos, e criá-los para que fossem inteiramente si mesmos, pessoas de “pé”.
Desde o namoro, fazíamos um caminho de autoconhecimento e busca espiritual, e ao longo da nossa história, desde nossas experiências em grupos de jovens, metodologia PRH (Personalidade e Relações Humanas), espiritualidade inaciana com a CVX (Comunidades de Vida Cristã), caminho com o Eneagrama… Foram muitos mergulhos profundos, em tempos de imersão em silêncio, oração e vivências…
Então, essa realidade da maternidade/paternidade foi crescendo e se consolidando em nós. Em mim, de uma maneira tão visceral, que se tornou parte essencial da minha identidade e verdade mais profunda! Quando Sara, Mateus e Pedro vieram ao mundo físico, pois já existiam em nosso coração, e cremos, no coração de Deus, trouxeram uma alegria indescritível! É como se a felicidade que já vivíamos expandisse a novos patamares. Parecia que toda a realidade havia sido ainda mais iluminada, e tudo adquiriu um novo sentido. A vida valia muito mais ser vivida!
Uma oração que eu sempre fiz foi pedir a Deus jamais passar pela experiência de perder algum filho! Sempre disse que seria uma dor por demais insuportável e que eu não seria capaz de dar conta! Sempre senti necessidade de expressar esse pedido. Hoje, retomando a história das mães que perderam seus filhos e que são inúmeras na minha ancestralidade materna e paterna, me parece que eu já pressentia esse padrão familiar. A vida toda fiz essa oração como que pedindo a Deus um salvo conduto, uma mudança de curso do rio do destino. Não seria possível que Deus me pedisse para suportar essa dor!
E eis que no final dos anos 2019 e 2020, dois dos nossos filhos tiveram uma experiência de quase morte! Sim, Deus me concedeu passar pela prova de Abraão e nos pediu nossos Isaacs. E realmente houve momentos em ambas experiências em que senti a dor da quase morte dos nossos filhos, da total incerteza. Houve momentos em que eu nem sentia chão sob os pés, momentos de total falta de controle e necessidade de abandono total em Deus! A sensação de estar diante de um abismo sem paraquedas! E só me restava abrir os braços e me lançar. Fui literalmente conduzida à minha Finisterra, ao fim de mim mesma. E a sensação de lançar-me no escuro, de caminhar sobre as águas, de fechar os olhos, segurar na mão de Deus e somente me deixar conduzir é de total libertação!
Fui levada a experimentar o vislumbre da experiência mais dolorosa e temida por mim. Percebi que o maior sofrimento é o lutar contra, é o tentar controlar o incontrolável. Quando verdadeiramente entreguei e confiei que, independente de qualquer desfecho, tudo estaria bem, comecei a experimentar a paz. A paz não é ausência de dor, medo ou tristeza; tampouco é resultado de qualquer circunstância externa. Mas, provém de um coração que se permite experimentar a confiança em qualquer situação, que espera e crê não estar só. E que, mesmo nas noites escuras, há uma Presença amorosa, acolhedora, que me ampara e aconchega em caloroso abraço de amor! Não importa o que aconteça, sempre posso acessar essa paz que é gratuita, que é graça!
Há uma oração que, desde a primeira vez que ouvi, me tocou profundamente… Da Oração Eucarística VII:
Enquanto estávamos perdidos e incapazes de vos encontrar, vós nos amastes de modo admirável: pois vosso Filho o Justo e Santo entregou-se em nossas mãos, aceitando ser pregado na cruz.
Quando nos deparamos com a dor, com a desolação, com a impotência diante de situações de sofrimento, muitas vezes nos sentimos assim: perdidos, incapazes, desorientados. É quando nos encontramos no fundo do poço, na noite escura, que percebemos que não temos controle de nada, absolutamente nada, e somente quando nos rendemos à graça, ao que nos transcende, é que conseguimos nos abrir à luz, ao amor que sempre esteve, que sempre está aqui, disponível e abundante.
De onde menos espero, surge a luz, surge a força. Recursos nos são dados exatamente no momento presente. Não há como dar conta de preocupar-se com o futuro, com o amanhã, e nem com o minuto seguinte. Mas, se respiro no aqui e agora o amor que está e que é, recebo a luz e a força para o próximo passo, ou para a próxima respiração. Podemos esperar pela graça de cada instante, de cada respiração, do aqui e agora! Hoje, a graça que peço é de estar desperta para perceber e acolher a graça de respirar aqui e agora, o momento presente!

Acredito que o Amor, que tudo crê, tudo espera e tudo suporta, me conduz, habita e transforma… mesmo que seja a transformação e cura de laços de destino!
Ana Maria Andreazza é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade Fé e Vida, Fortaleza (CE).
Imagem: Ligia de Medeiros — Azulejo dos Vasos Comunicantes revisitado
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
Obrigada por partilhar essa dura experiência, com tanta delicadeza. Que o Bom Deus continue abençoando muito sua família, tão querida! Bjs
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Querida Ana
Forte experiência!
Ao finalizar a leitura quero te abraçar!
Maria Inés Saadi de Tozatto
Comunidade Nossa Senhora da Luz, Rio de Janeiro
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