O amor ao próximo em perspectiva

Luciano Fazio

No domingo 10 de julho de 2022, minha mulher Verônica me apresentou um novo entendimento da parábola do bom samaritano (Lc 10,25-37), uma das mais conhecidas dos Evangelhos, que conta a história do homem assaltado por bandidos, deixado ferido na estrada e socorrido por um samaritano, que teve compaixão dele. Ela me alertou para a resposta de Jesus à pergunta “Quem é o meu próximo?” formulada para entender o mandamento “Ama o teu próximo como a ti mesmo”.

Nas outras vezes que tinha lido o texto, pareceu-me que Jesus tivesse dito: “O próximo é o outro”, ou seja, toda pessoa pobre que encontramos na vida. Assim, para mim o próximo da parábola era o ferido da estrada socorrido pelo viajante e a mensagem era somente “faça como o samaritano, ajude aos pobres e necessitados”. Sem dúvida, a grande referência para nós cristãos é a gratuidade com que Cristo amou a todos, mas a parábola de hoje nos fala do amor que nasce da gratidão. Eu não tinha me atentado para a reviravolta de perspectivas contida na pergunta final que Jesus dirige ao interlocutor: “Na tua opinião, quem foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”. Ou seja, o olhar para o próximo é de quem precisava de ajuda. Cristo nos convida a nos colocar no lugar da vítima do assalto, assumindo nova posição e nova postura. Nos chama a deixar de lado a nossa autossuficiência, a reconhecer que precisamos do outro (admitindo a nossa pobreza) e a ser gratos a quem se faz perto de nós. Amar ao próximo é mais do que “fazer a caridade”, quando ajudamos alguém que vimos como pobre coitado. Somos chamados a ver coisas boas no outro e reconhecer que ele nos dá algo, respondendo à nossa insuficiência. Há mais do que um compromisso ético de doação. Ao fazer o bem sem querer nada em troca se soma a dimensão de fazer o bem reconhecendo o que se recebe.

Mais uma observação. No conto do bom samaritano, o foco não está no amor a todos, mas a quem se faz “próximo” de nós. O mandamento “ama o teu próximo” tem as características da lei que não é difícil demais, nem está fora do teu alcance”, de que fala a primeira leitura deste domingo (Dt 30,10-14). É mais realizável do que o amor idealizado e universal e parte da gratidão para com as pessoas que nos cercam, bem como da compaixão (a que podemos também chamar de empatia), dada pela capacidade de olhar e escutar o outro, reconhecendo sua diferença e nos identificando com suas carências. Realmente, essa identificação nos faz mais “próximos”. Esse amor para os de perto se soma (sem se substituir) ao ideal do amor a todos.

Em suma, com sabedoria, Jesus nos pede uma conversão de amor, a partir do que é aparentemente mais simples. Mas será que é tão simples assim?


Luciano Fazio é matemático pela Università degli Studi de Milão e especialista em Previdência pela Fundação Getúlio Vargas.

Imagem: Amparo, 1927 — Ismael Nery (1900-1934). Reprodução fotográfica de Romulo Fialdini. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira

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