Ele afasta o medo

Simone Furquim Guimarães

Mc 4,35-41

A leitura do Evangelho proposta pela igreja hoje é Mc 4,35-41. Nela, Jesus e os discípulos estão no barco, atravessando o mar da Galileia. Jesus dorme durante uma tempestade de fortes ventos. Os discípulos acordam Jesus e perguntam-lhe: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?”. Os discípulos não compreendem a pessoa de Jesus: “Quem é este, para que até o vento e o mar lhe obedeçam?”. Diante desta incompreensão Jesus questiona: “por que estais tão amedrontados? Ainda não tendes fé?”.

Naquele tempo, o mar era símbolo do medo porque a legião de soldados combatentes vinha de Roma pelo mar. Mas Jesus enfrenta o mar, ou seja, Jesus enfrenta a ideologia do poder romano, enfrenta os ventos e tempestades no mar.

Nesta narrativa, eivada de simbolismo, o evangelista levanta a questão para os cristãos de seu tempo (por volta do ano 70 d.C), quando viviam aterrorizados diante da iminência da guerra e destruição do Templo em Jerusalém pelo Império Romano. O Evangelho está a encorajar os cristãos e cristãs dizendo: mesmo diante das dificuldades, se tivermos fé, teremos a força de Deus para lutar por uma vida melhor, teremos Deus a nos libertar do medo.

Hoje, temos muitas razões para temer. Estamos vivendo um período da história muito tenebroso: além desta pandemia, que está matando milhões de pessoas pelo mundo e dezenas de milhares em nosso país; estamos vivendo um mar de ideologias fundamentalistas, terraplanistas, negacionistas. Uma regressão civilizatória provocada por grupos políticos, econômico e até religiosos que estão no poder e decidem os rumos dos direitos humanos, da ciência, das políticas públicas e controlam até a fé das pessoas.

Alguns grupos aproveitam da fé das pessoas para pregar uma teocracia do poder. Usam Deus para legitimar seus desmandos: Em nome de um “deus acima de tudo”, tira-se direitos da população aqui em baixo, deixando as pessoas na miséria e causando mais terror na população.

Estamos todos nessa barca e devemos enfrentar essa tempestade com coragem, pois Jesus está dizendo: “Não tenham medo”. Do início ao fim, Deus está a nos encorajar: Não tenham medo, eu estou aqui. Gn 15,1; Gn21,17; Is 41,10; Lm 3,57; Dt 31,6; Mc 16,6; Mt10.26.28.31; Mt 14,27; Lc 12,32; Jo 6,20; Ap 1,17 etc.

Quando Jesus levanta a questão: “por que ter medo?”, nos pede uma atitude ativa e não passiva, pois o medo paralisa, ele é o contrário da fé em Deus – como nos ensina Santa Tereza -nos impedindo de fazer valer já nesse mundo o sonho de Deus para a humanidade.

Por isso, com coragem (fé), devemos enfrentar essa tempestade, denunciando todas as vezes que os direitos humanos são abalados ou destruídos. Jesus nos pede ações proféticas: levantar nossas vozes e gritar basta desta necropolítica (política geradora da morte), que não respeita a ciência, fecha os olhos para a miséria e a dor do povo.

Lembremos de um canto dos monges franceses da comunidade de Taizé que reza assim:

Deus é amor
arrisquemos viver por amor
Deus é amor
Ele afasta o medo

Ouça no Podcast Ignatiana


Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

Palavra de Deus

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

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