Não tenhais medo
Simone Furquim Guimarães
A leitura do Evangelho proposta pela igreja hoje é Mt 10,24-33. Jesus nos anima: “não tenhais medo”. Esta é a palavra chave da Boa Notícia. Jesus repete por três vezes: “não tenhais medo” (v.26.28.31). “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma…”. Em Mateus, a palavra “alma” (do grego, psyque) traduz o significado em hebraico nefesh que quer dizer “hálito, sopro vital, respiro”. Não está se referindo ao dualismo da filosofia grega: corpo e alma. Está se referindo à vida plena e esta é a nossa fé na ressurreição.
Os “lobos”, os que acusam Jesus como Belzebu e que perseguem seus seguidores, matam o corpo; mas não podem lhes tirar a “vida”, pois a justiça de Deus é imortal (Sb 1,15). A fé na justiça imortal e na ressurreição é memória da luta dos macabeus pela justiça divina contra a opressão do império grego, por volta do ano 134 a.C, conforme 2Mc 7,29. Esta fé parte da casa, do sentimento de perda das mães e esposas que tiveram seus filhos e maridos assassinados. Era a “válvula de escape” diante do sofrimento. Tinham fé que Deus, de alguma forma, traria justiça e vida para seus entes queridos. A morte não é o fim último.
E as comunidades cristãs no tempo que o Evangelho de Mateus foi escrito viveram fortes perseguições nos tribunais civis e nas sinagogas porque instauraram algo novo, porque saíram daquela tradição fechada do judaísmo da época e noticiou a Novidade de Jesus.
No batismo, o cristão recebe o dom do Espírito Santo (v.20) e, com sua fé, deve assumir publicamente o Evangelho, ser testemunha (martiria, em grego) de Jesus. “Proclamar sobre os telhados” (v.28). A opção pelo Evangelho causa conflito porque revela a opção de Jesus, o projeto de Deus pelos pobres. E quando falamos em pobres, estamos nos referindo aos empobrecidos: são todos aqueles que sofrem injustiças sociais.
A preocupação maior de Jesus não era com o “mal” individual (pecado individual). Jesus estava preocupado com o “mal” coletivo (pecado coletivo), aquele que atinge a todos. Afirmar isso gera conflito, entra-se em crises até existências porque exige que se saia da “caixinha”. Ou seja, que se rompa com tradições e saberes que proporcionam “certa” segurança. “Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena”.
Devemos temer e cuidar para não sermos covardes, incoerentes e infiéis ao projeto de Deus, senão seremos protagonistas da destruição da humanidade, seremos fadados a sofrer o “inferno” da história humana.
Em consonância com o Evangelho, cantemos com Antônio Cardoso:
Não temais os que matam o corpo;
Não temais os que armam ciladas;
Não temais os que vos caluniam;
Nem aqueles que portam espadas;
Não temais os que tudo deturpam;
pra não ver a justiça vencer;
Tende medo somente do medo;
De quem mente pra sobreviver;
Tende medo somente do medo;
De quem mente pra sobreviver.
A verdade vos libertará…
Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.