Mesa do pão em Betânia
Semana Santa Orante 2023 — Segunda-feira
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia… ali ofereceram-lhe um jantar.
Jo 12,1-2
Jesus, durante sua vida pública, desencadeou um “movimento de vida” e vida em plenitude. E este “movimento humanizador” se visibilizou, sobretudo, junto às mesas da refeição e da partilha do pão.
Jesus entendia e celebrava as refeições como sinal da presença do Deus Pai providente, que alimenta e cuida de todos os seus filhos e filhas; mas deviam ser refeições abertas aos pobres e famintos, sem distinções nem exclusões. Jesus comia e bebia em meio a um mundo injusto, para iniciar um caminho de revelação do Deus do Reino, partilhando o pão e o vinho com os necessitados, na alegria e na solidariedade.
A “mística da mesa” não só nos recorda o modo original de Jesus agir, senão que é um chamado à comunidade cristã para que seja comunidade inclusiva e aberta, onde as diferenças são respeitadas, os espaços de igualdade são construídos, os dons do alimento são partilhados, onde o Deus gratuito e cheio de amor e perdão é proclamado. Nela não haverá estrangeiros nem imigrantes, não haverá primeiros nem últimos, não haverá resquícios de gênero nem poderes que excluem, não haverá famintos…
Se não nos assentamos à mesa com o outro, estamos perdendo a possibilidade de saborear os alimentos humanizadores: encontro, alegria, partilha, hospitalidade, festa, vida… Tudo aquilo que acontece na alegria, tudo aquilo que é distribuído com vida, com sentido e sentimento, alimenta algo em nós, ou alguém fora de nós. Multiplica-se, triplica-se os cestos de pão.
Na mesa e na partilha do pão “cristificamos” e “sacralizamos” os frutos da terra e do trabalho humano. Por isso, os alimentos fornecidos pela natureza e dela extraídos pelo trabalho do ser humano, vêm carrega-dos de tão rico simbolismo: quando postos à mesa significam a mãe natureza dadivosa e boa, criada por Deus e o trabalho do ser humano, que na mesa vem se alimentar para continuar a viver.
A relação de alteridade à mesa tem o poder de reconstruir laços quebrados, perdidos em nosso passado (mesa, lugar da memória); ela tem a força de reavivar os sentimentos soterrados pelos afazeres diários.
Esse caminho é busca, encontro e acolhida.
O mundo relacional de Jesus é amplo e diversificado; seus amigos e amigas se multiplicam a cada passo que dá. Um exemplo disso é sua relação com a família em Betânia. Betânia é para Jesus o lugar da acolhida, da hospitalidade, da escuta, da amizade, do pão partilhado e do serviço. Betânia é o ícone de uma comunidade onde se faz visível todo o mistério de Deus revelado em Jesus: o lugar da morte e da ressurreição, o lugar da Páscoa que antecede a Páscoa do Filho de Deus.
Embora não pudessem fazer nada para mudar a situação de perseguição por parte das autoridades, os irmãos estão totalmente presentes e solidários a Jesus; acolhem o que vai acontecer e o acompanham. Por isso, encontram motivo para manifestar alegria e agradecimento, através de um jantar festivo.
Eis algumas características originais do “espaço Betânia” e que poderiam inspirar nossos espaços comunitários e familiares:
- casa de hospitalidade e de escuta, onde todos somos irmãos sentados à mesma mesa, junto ao Mestre, o único Senhor, em quem se centra nossa hospitalidade e nossa escuta;
- lugar de descanso, como foi para Jesus, onde encontra humanidade, calor humano, compreensão, alívio;
- lugar de passagem, onde se recupera forças para viver situações de Páscoa;
- Betânia é lugar de interioridade, onde os processos de humanização são elaborados no mais profundo, onde surge a humanidade nova, atitudes mais humanas e humanizantes; lugar onde pulsa a humanidade com toda sua força e onde circula o sangue-vida;
- Betânia é o lugar de uma mística nova: a mística da amizade com Jesus e que se visibiliza na relação e no acolhimento de cada membro da comunidade. Betânia nos desafia a gerar um novo estilo relacional que seja capaz de evidenciar o Reino aqui e agora.
Marta, Maria e Lázaro revelam solidariedade no momento mais denso e dramático pelo qual Jesus está atravessando (véspera de sua paixão e morte).
Marta e Maria fazem com Jesus o que Ele logo fará com seus discípulos no momento de sua despedida: os servirá à mesa e lavará seus pés.
Marta aprendeu a passar do “modo-de-ser-trabalho”, quando reclamava a intervenção de sua irmã em S. Lucas, ao “modo-de-ser-cuidado”. O cuidado se dá em um contexto de relações de amor e de amizade. Ela expressa a atitude de desvelo, de inquietação e de preocupação pela pessoa amada.
Maria, por sua vez, apaixonadamente agradecida, surpreendida pela qualidade de amor que experimentou, expressa, num gesto, o que muitas pessoas desejam viver e que o mesmo Jesus realizará em sua última ceia. Ela, em um só gesto, vive e torna visível o que o coração do evangelho nos indica:
- amor apaixonado: a ternura e o carinho desta mulher são indescritíveis; aqui não há nenhum indício de exibição, mas de respeito infinito;
- serviço entranhável como derramamento de todo seu perfume, de todo seu amor, de seu agradecimento. Derramamento de entrega gratuita sem medida. Gesto reprovado por aqueles que não sabem amar e com sua rigidez legalista julgam e condenam. A generosidade desta mulher é liberdade absoluta para amar até o extremo, num esvaziamento de si através do perfume derramado.
Jesus acolhe o gesto, sintoniza-se com a sensibilidade de Maria num diálogo sem palavras. Isso nos permite compreender a maravilha de nossos sentidos. Cada um deles percebe uma dimensão da realidade e responde ao que percebe, mas todos se unem e sincronizam para uma melhor percepção e para expressar o que sentimos para com ela.
Onde Jesus “cheirou” e acolheu compreensão da parte da mulher, solidariedade com este momento decisivo de entrega, outros cheiraram “desperdício”. Judas não soube “cheirar” o perfume e o que significava, só seu preço. Em muitas outras ocasiões, Jesus olhará a realidade e verá em sua profundidade dimensões que os outros não são capazes de ver. Daí sua capacidade de recriar a realidade e convertê-la a partir de dentro.
Texto bíblico: Jo 12,1-11
Na oração: Criar Betânia em nosso interior e em nossas comunidades: lugar da mesa compartilhada, da unção e do cuidado; ambiente que exala perfume do amor, gratidão, amizade, confiança…
Com a imaginação sinta-se impulsionado(a) a estar em Betânia com Jesus, com Lázaro e com suas irmãs, e com aquelas pessoas que fazem parte de sua comunidade;
— Tome consciência que acompanhar uma comunidade implica ser “mirróforo(a)” (portador do perfume), para criar um ambiente que exala perfume da amizade, da gratidão, do amor…
— Procure identificar-se com os personagens desta cena:
+ Com Jesus Mestre, queira fazer-se mais humano e próximo daqueles que compõem sua comunidade.
+ Com Marta, queira deixar transparecer que o Seguimento se expressa no serviço gratuito;
+ Com Maria, queira quebrar os frascos e derramar o perfume da escuta e do amor.
Texto bíblico: Jo 12,1-11
Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi para Betânia, onde morava Lázaro, que ele havia ressuscitado dos mortos. Aí ofereceram um jantar para Jesus. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Jesus. Então Maria levou quase meio litro de perfume de nardo puro e muito caro. Ungiu com ele os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos. A casa inteira se encheu com o perfume. Judas Iscariotes, um dos discípulos, aquele que ia trair Jesus, disse: “Por que esse perfume não foi vendido por trezentas moedas de prata, para dar aos pobres?” Judas disse isso não porque se preocupava com os pobres, mas porque era um ladrão. Ele tomava conta da bolsa comum e roubava do que era depositado nela. Jesus, porém, disse: “Deixe-a. Ela guardou esse perfume para me ungir no dia do meu sepultamento. 8No meio de vocês sempre haverá pobres; ao passo que eu não estarei sempre com vocês.”
Muitos judeus ficaram sabendo que Jesus estava aí em Betânia. Então foram aí não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Jesus havia ressuscitado dos mortos. Então os chefes dos sacerdotes decidiram matar também Lázaro, 11porque, por causa dele, muitos judeus deixavam seus chefes e acreditavam em Jesus.
No dia seguinte, a grande multidão que tinha ido para a festa ouviu dizer que Jesus estava chegando a Jerusalém.
Adroaldo Palaoro é padre jesuíta, atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
Semana Santa Orante — 2023
Ano A — Segunda-feira da Semana Santa
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
Bom dia Padre Adroaldo
Os seus textos são maravilhosos e orante, leva_ me a contemplar o amor de Deus por nós.
Gostaria de receber seus textos.
Desde já obrigada 🙏
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Aqui no Blog Ignatiana (Inaciana) publicamos todas as sextas-feiras, às 17h, os textos de Pe. Adroaldo.
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