Negritude

Simone Furquim Guimarães

Refletir sobre o tema da negritude a partir da teologia bíblica é necessário e urgente. Devemos falar massivamente sobre esse tema até desnaturalizar a ideia de que o povo negro, o povo africano, o continente africano foram e são amaldiçoados. Digo isso, porque a partir da criação da ideia da maldição dos povos africanos junto com o conceito de raça, jogou-se um manto da invisibilidade da História da África, junto com a sua cultura e os seus valores, culminando nas diversas violências contra a negritude.

No tocante aos textos bíblicos, temos o Egito tantas vezes citado na Bíblia e palco das gerações dos hebreus e depois judeus, inclusive no tempo de Jesus, sendo o lugar de refúgio de José, Maria e Jesus, perpassando pelas narrativas dos primeiros cristãos. Esse Egito, tornou-se, intencionalmente falando, um lugar não geograficamente localizado. Ou seja, fomos acostumados a ler os textos bíblicos e não se dar conta que o Egito se localiza na África. Isso aconteceu para desvincular a África com a história sagrada.

É importante então recorrermos a História enquanto disciplina acadêmica séria e entender a origem dessa construção sobre a maldição do povo negro.

Essa construção não se origina na intenção de escravizar os povos africanos, mas parte de uma interpretação do texto bíblico de Gn 9,20-27. Temos como expoente interpretador, Santo Isidoro de Sevilha, que viveu no século VI d.C. e criou o “mito da maldição de Cam”. Cam, era um dos filhos de Noé e foi amaldiçoado pelo pai por ter visto sua nudez e faltado com respeito filial. Cam é expulso e passa representar os povos da África, especialmente o Egito.

 Mas é importante perceber os impactos gerados dessa interpretação de Isidoro entre os séculos XV a XVII e sobretudo nos séculos XVIII e XIX. Porque a recepção ao texto e as falas de Isidoro serviu para fundamentar a escravidão dos povos africanos. A justificativa foi de que esse povo é amaldiçoado por Deus e, para se purificar, deve ser escravizado e se converter ao cristianismo; assim suas almas serão salvas na vida além desta.

Essa ideia da maldição, junto com a construção de raças inferiores (que não irei tocar aqui pelo limite de tempo), foi de grande crueldade contra o povo negro.

E o que é pior, é que ainda existe líderes religiosos cristãos fundamentalistas de nossa atualidade que resgatam a ideia da maldição de Cam para justificar o seu racismo.

Estamos na semana da consciência negra, que nos impele a uma postura de refletir e indignar-se face a esse racismo e contra várias formas de violências contra o povo negro. Por isso, a proposta da leitura bíblica na perspectiva da negritude é de buscar a Boa Nova para todos/as os negros e negras que sentem na pele a INJUSTIÇA.

É tempo de sermos uma Boa Notícia para nossos irmãos negros, nossas irmãs negras, estimulando em todo o país à tomada de consciência como cidadãos, cidadã, ao empoderamento, à desconstrução de uma cultura embranquecida e de racismo presente nas estruturas de poder e econômico.


Ouça no Podcast Ignatiana


Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

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