Luiz Fernando Krieger Merico

O papa Francisco empreendeu uma viagem de significado e alcance histórico que merece muita atenção por parte do mundo e da mídia.  Uma viagem ao Iraque com várias finalidades: uma finalidade religiosa e espiritual: visitar a terra onde começou a “aventura” de Abraão, o patriarca reconhecido pelas três grandes religiões abraâmicas: o judaísmo, o Islã e o cristianismo. Depois, um objetivo mais político – a de levar sustento à minoria cristã – que por causa da perseguição foi drasticamente reduzida; e a finalidade de continuar um do diálogo já começado com o Islã – com o mundo islâmico. Mas, sobretudo foi uma viagem de construção da paz. Qual é o líder que enfrenta riscos e desafios para construir a paz nos dias de hoje?

Já no dia 4 de fevereiro de 2019, Papa Francisco e o Grande Imam de Al-Azhar Ahmed Al-Tayyib, assinaram uma declaração conjunta – a Declaração sobre a Fraternidade Humana – que marca a história das relações entre a Igreja e o Islã. Nesta declaração conjunta, os dois líderes religiosos chamam atenção para a miséria, a exploração e a degradação moral e traçam um caminho, baseado no trabalho conjunto, capaz de reverter esses males e amenizar suas consequências. Esta declaração é a origem da encíclica Fratelli Tutti. Ele lembrou que o documento sobre a fraternidade humana foi preparado com o grão-imã de Al-Azhar durante seis meses, em segredo, rezando, refletindo, corrigindo.

Francisco tem uma visão geopolítica da situação internacional que os políticos atuais parecem não querer ver. Mudanças climáticas, destruição da biodiversidade, migração, a consideração dos micro conflitos endêmicos em muitas regiões do mundo, a “cultura do ódio” como consequência do populismo e do fundamentalismo religioso. Tudo isto está no radar de Bergoglio e é traduzido em suas encíclicas em ações concretas.

As religiões e as teologias não são inocentes em relação à violência, por isso Francisco tenta desarmar um dos estopins da nova violência religiosa. E o diálogo, como ele diz, é “o melhor antídoto para a tentação do fundamentalismo religioso”, em particular o diálogo inter-religioso, onde as situações são mais difíceis. Para evitar uma conflitualidade destrutiva, Francisco propõe às Igrejas cristãs e aos expoentes das várias fés que “entrem juntos, como uma única família, em uma arca que possa sulcar os mares tempestuosos do mundo”. Essa arca se chama “arca da fraternidade humana”. Francisco está trabalhando na construção dessa arca.

Desde o início de seu pontificado, ele vem defendendo uma maior solidariedade e compaixão nos assuntos globais, desde o tratamento aos migrantes e refugiados até a estrutura da economia global. Essas preocupações estão enraizadas na sua leitura do Evangelho e na sua experiência pastoral na América Latina.  Em sua mente, a pandemia aprofundou a fragilidade da ordem global atual, apresentando uma escolha decisiva: ou saímos melhores desta crise ou aceleramos a queda rumo à uma autodestruição.

A viagem ao Iraque é, desta maneira, uma Fratelli tutti na prática, em miniatura: gestos fortes em vez de palavras. Não sei se esta viagem realmente mudará o mundo. Mas dificilmente veremos um esforço pessoal tão claro e significativo para tentar fazer do mundo o palco da felicidade humana.

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Luiz Fernando Krieger Merico é graduado em Geologia (UFPR), mestre em Análise Ambiental (UNESP), doutor em Geografia (USP), possui aperfeiçoamento no Schumacher College (Inglaterra) em Economia Ecológica. É autor do livro Mística do século XXI: Guia de Oração com as encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti (e-book).

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