É o Senhor!
Pe. Manuel E. Iglesias, SJ
Lago de Tiberíades.
Jo 21,1ss
Um grupo de discípulos estava junto. Disse Simão Pedro:
— Vou pescar.
— Também nós vamos contigo.
Partiram e entraram na barca. Naquela noite, porém, nada apanharam.
Noite sem pescar é uma noite muito longa para os pescadores. João, Pedro, Tomé e Tiago, Natanael e outros dois discípulos tiveram muito tempo para pensar e rezar no silêncio da noite.
Aquele mar estava cheio de lembranças. Tudo falava da presença do Senhor:
— Lá, o Senhor multiplicou os pães… Lá, descendo daquela montanha , ele curou o leproso; lá, em Cafarnaum, curou à distância o servo do centurião… Lá longe, na casa do Pedro, ele curou a sogra dele duma febre…e, na sinagoga, tantos doentes…Aqui, ele acalmou os ventos e o mar o obedeceu…Lá chamou Mateus e houve aquela festa…Lá abriu os olhos dos cegos… Lá…
Como Jesus “mudou“ a vida daqueles homens!
João se lembraria até da hora em que conheceu Jesus: “era a hora décima’ (1,31). Valeu a pena! A sua vida mudou da água para o vinho, como no milagre de Caná.
Pedro se lembraria do seu primeiro encontro com Jesus quando “fixou n’Ele o olhar e disse: Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas (que quer dizer Pedra)” (1,42). Desde aquele dia tudo foi diferente. Só no decorrer do tempo, Pedro foi descobrindo o significado do novo “nome” que lhe foi dado. E como Jesus acreditou nele! Fez dele, generoso e fraco, ao mesmo temo, o rochedo da sua igreja. E como Jesus teve paciência com ele, na formação da sua fé! Ora, confessava o Cristo como o Filho de Deus, ora era para Jesus um “tentador” com os seus planos; ora arrisca pelo Senhor e tenta até a espada, ora se apavora e nega o Senhor…
Tomé se lembraria do dia que criou coragem e falou para os outros: “Vamos também nós, para morrermos com ele” (Jo 11,6). Infelizmente precisou escutar mais tarde: “Não sejas incrédulo, mas homens de fé” (20,27).
Tiago, irmão de João, se lembraria dos “foras” dados pela família. O pedido para que descesse fogo do céu a fim de arrasar os samaritanos que não quiseram acolher Jesus.
E ainda aquele pedido de ficarem os dois irmãos à direita e à esquerda do Senhor no seu Reino. Desde o lago dava para ver o monte Tabor onde o Senhor se tinha transfigurado na presença de três discípulos, os mesmos justamente que não conseguiram velar com Jesus na hora terrível do horto.
Nataniel se lembraria da resposta “bairrista” que dera para Filipe sobre Jesus: “Pode porventura vir coisa boa de Nazaré? “(1,46). Jesus, no entanto, o chamou de verdadeiro israelita! (1,49)
Chegada a manhã, Jesus estava na praia. Todavia os discípulos não o reconheceram. Perguntou-lhes Jesus:
Jo 21,4ss
— Amigos, não tendes acaso alguma cosia para comer?
— Não.
— Lançai a rede ao lado direito da barca e achareis.
Lançaram-na, e já não podiam arrastá-la por causa da grande quantidade de peixes. Então, aquele discípulo que Jesus amava disse a Pedro:
— É O SENHOR!
João é o homem de fé que descobre a presença do Senhor onde outros nada percebem. Olhos limpos de contemplativo reconhecem a passagem do Senhor na vida e a sua ação na história dos homens.
O Deus da história ama primeiro. Vai na frente. Está na praia, na fábrica, no lar, na rua…
Cristo “ressuscitado” desapareceu da vista dos seus discípulos para poder, desde então, ser encontrado em toda a parte. A sua “presença “é agora plenitude.
Jesus parece “disfarçar” … Ele é o “jardineiro” do sepulcro; o “peregrino” do caminho de Emaús; o “desconhecido“ da praia de Tiberíades.
Ele entra na conversa e faz perguntas “sobre a vida”: Por que choras? Amigos, não tendes alguma cosia para comer? De que estais falando pelo caminho e por que que estais tristes?
Ele está hoje presente.
Ele nos faz perguntas parecidas.
Só que nós estamos, às vezes, “distraídos” demais para reconhecê-lo ao nosso lado. Assim como naquela visão de Moisés, nós nos sentimos felizes se um dia descobrimos a sua presença e ação “pelas costas”:
— “Me verá por detrás…” (Ex 33, 18-23)
IGLESIAS, Manuel E. Um retiro com São João e o Êxodo. São Paulo: Loyola, 1980. 88 p.
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