Tempo de Calamidade e Tempo de Graça
Caminhada Inaciana 2020 – Segundo Pouso
Kairós e Chronos – dois aspectos do tempo e os planos de Deus

— Uma espiritualidade em tempos de pandemia, o que é, ou melhor, o que pode ser?[1]
Depois ele afirmou:
À primeira vista, dizemos: aquilo que nos aconteceu é uma distopia; é uma calamidade; é o contrário da graça. E, contudo, em termos de fé, temos de olhar para este Cronos, que parece devorar a nossa força e a nossa esperança, como a possibilidade de um Kairós, a possibilidade de uma graça.
Vejamos os conceitos de Cronos e Kairós.
Da mitologia grega, “chronos é o inexpugnável rei dos titãs que, sem piedade, devorava os próprios filhos.”. É o tempo cronológico, sequencial caracterizando a realidade quantitativa, daí a invenção do relógio, do cronômetro etc. Esse aspecto é o que nos aprisiona e nos ‘controla’ desde o nascimento até a morte. Para os gregos, o chronos era visto como o tempo que nos faltava para a morte, uma vez que era impossível fugir desse evento – todos seríamos vencidos (devorados), mais cedo ou mais tarde.
Em oposição a esse tempo cronometrado, há o kairós, o tempo para ser experimentado « como uma realidade qualitativa, isto é, pode ser finalmente definido como “o tempo de”, “o tempo para”. O que não é a duração, mas a oportunidade, o momento determinante, a hora do acolhimento da graça que altera os referentes do mundo. Dessa forma, podemos transformar o chronos em kairós.»[2]
Na teologia, o Kairós passou a ser usado para descrever a forma qualitativa do tempo ou o ‘tempo de Deus’ e que não pode ser medido. É o tempo da oportunidade, livre do peso das cargas e ansiedades do cotidiano. Ele se manifesta sempre no presente – o Kairós marca os momentos que se tornam inesquecíveis, ainda que sejam breves. De acordo com a mitologia grega, o Kairós é capaz de enfrentar o cruel, tirano e devorador Chronos.
Tolentino, citando Simone Weil, ainda diz: “o tempo da catástrofe parece um tempo em que Deus recua, dá um passo atrás; contudo, é um tempo para descobrirmos o Deus da ternura, o Deus da misericórdia, o Deus próximo, o Deus comprometido com a pessoa humana, o Deus que está ao lado da vítima, ao lado do que sofre; porque o próprio Deus vive este recuo.”
O Cardeal cita ainda Etty Hillesum, que morreu em um campo de concentração nazista ainda muito jovem. Ela disse uma coisa espantosa: “este tempo em que parece que a nossa alma soçobra (afunda-se); este (Chronos) é o tempo para olhar os lírios do campo (Kairós).”
Há um grande desafio para todos nós enquanto durar este tempo de pandemia. O tempo no qual ela se insere não pode ser apenas a sucessão rotineira de minutos, horas, dias, semanas e meses… Concretamente, urge buscar o que transcende a calamidade, a fragilidade e o precário, que é esse “Cronos” da calamidade que desespera, atemoriza e paralisa.
Assim, ao viver esse “Cronos” da negatividade, optamos por descobrir o Deus da ternura, o Deus da misericórdia, o Deus próximo, o Deus comprometido com a pessoa humana de Simone Weil. Preferimos buscar a companhia de Etty Hillesum e, em meio ao tempo da pandemia (Chronos), viver o tempo para olhar/contemplar os lírios do campo (Kairós) – o que nos levará à esperança, à fraternidade, à solidariedade, ou como diria Santo Inácio, nos levará ao lema da espiritualidade que temos vivenciado: “Em tudo Amar e Servir“. Kairós – um tempo privilegiado para a oração e para o encontro com a Trindade Santa.
[1] Espiritualidade cristã em tempo de isolamento, pelo cardeal Tolentino [link]
[2] O poder da esperança: Mãos que sustenham a alma do mundo [link]
Caminhada Inaciana 2020
Introdução
1º Pouso | 2º Pouso | 3º Pouso | 4º Pouso | 5º Pouso
Imagem: Tikashi Fukushima. Lembrança de verão, 1983. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
Espiritualidade cristã Caminhada inaciana Peregrinação Santo Inácio de Loyola (1491-1556)
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.