Otimismo: o legado de Arrupe
Pe. Paulo Lisbôa, SJ
A atitude do Pe. Pedro Arrupe, geral da Companhia de Jesus, que sempre me encantou foi o seu grande entusiasmo otimista, ante os embates que toda vida humana traz em seu bojo.
Toda a minha geração de jesuítas acompanhou com tristeza os últimos anos de seu longo generalato (1965–1983). O transcurso natural dos acontecimentos socioeclesiais dos anos noventa até a virada do século vinte, desviaram-nos de sua figura carismática. Contudo, o Senhor que tem a História na mão, não só para nós jesuítas, mas para todo o Povo de Deus, suscitou um movimento novo de aproximação desta figura exponencial.
A uns anos atrás, ainda no generalato do Pe. Adolfo Nicolás (este renunciou por motivos de saúde precária), deu-se origem ao que chamo de “culto justo” à memória de um santo. A meu ver, houve um gesto significativo que sinalizou este início. O Papa Francisco, primeiro Papa jesuíta na História, na sua primeira Concelebração Eucarística na Igreja do Gesù, antes de iniciá-la, permaneceu um bom tempo em oração diante do túmulo de Arrupe, seu ex-Padre Geral. A nossa Cúria Geral desde aí estudava o momento mais propício para introduzir a Causa de sua Beatificação, o que se deu na nossa última Congregação Geral, em 2016. Não levou muito tempo e o Dicastério Romano para este fim, aceitou iniciar oficialmente os trabalhos de análise do processo. Ultimamente, com a carta do novo Geral, Pe. Arturo Sosa a toda a Companhia de Jesus, datada de 14 de novembro de 2018, os jesuítas de todo mundo e seus colaboradores leigos foram convidados a ajudar com orações a que este processo tenha logo o seu fim, para a glória de Deus.
Nestes dias de reclusão eu pensava como poderia me engajar nesta tarefa de gratidão jesuítica. Como levar à prática aquele pedido do Pe. Geral. Foi então que me veio a ideia de recordar mais da vida e obra de Arrupe. Coisa que até semanas atrás ainda não havia feito, resolvi ler uma “biografia jornalística”, escrita por um nosso coirmão espanhol, Pe. Miguel Lamet, SJ. Aproveitei o maior tempo que a COVID-19 me ofereceu, para ler as 366 páginas de “Arrupe: da bomba de Hiroshima à crise pós conciliar”*, texto traduzido e publicado pelas Edições Loyola (1992).
Nesta extensa leitura, toda ela muito questionadora, o que mais me causou impacto foi constatar que a figura de Arrupe ganhou o brilho novo do otimismo cristão. Esta minha visão pessoal ganhou traços fortes quando cheguei ao penúltimo capítulo do livro, intitulado: “A renúncia”. O autor ao final do capítulo recorda uma entrevista de vinte minutos que Arrupe concedeu à Antenne 2, um canal da TV francesa. Por me parecer tão expressiva, como testemunho de uma vida cheia de otimismo, resgato um trecho da sua declaração ao apresentador da TV e o apresento assim como está registrado no livro:
— Apresentador: O quadro que preside a esta sua sala representa Santo Inácio, num misto de estranheza e de malícia… Como o vê?
— Arrupe: Olho para ele quase diariamente e parece que me diz: “Então, Pedro, que fizeste pela nossa Companhia?” Estou consciente que devo poder dar-lhe uma resposta.
— Apresentador: Está otimista no momento atual, sobre a questão da propagação da fé? Se a resposta é afirmativa, por que?
— Arrupe: Sim, estou otimista porque Deus trabalha a longo prazo. Nosso horizonte é muito pequeno. Para mim, por exemplo, que não passo de um bom velho, a vida tem um limite muito curto. Se olharmos a história do cristianismo, ela nos deixa impressionados; mas, se situarmos dentro da escala do tempo, esta que usam os antropólogos e os arqueólogos, a vida sobre a terra pode ter dois milhões e trezentos mil anos. Vista nesta escala, a história da religião cristã, tomando como base uma régua de dois metros e trinta centímetros, mal alcançaria a extensão de dois milímetros. Apesar das dificuldades das perseguições e contradições, a Igreja sempre segue avante. Por isso sou otimista (o grifo é meu), com a certeza de que a fé irá sempre avançando; só que o ritmo desse avanço, só Deus conhece.
Esta afirmação de Arrupe foi pronunciada um ano antes da fatídica trombose que o recolheu por um longo tempo à enfermaria da Cúria Geral. Foram dez anos de muitos sofrimentos físicos e psicológicos, mas que jamais empanaram a verdade que dissera publicamente na TV francesa:

Estou otimista porque Deus trabalha a longo prazo
Pe. Pedro Arrupe, SJ
Pensei me servir deste encômio ao agora Servo de Deus Pedro Arrupe, para nossos colaboradores leigos, colaboradoras leigas, que nesta pandemia sentem-se desanimados. Que o testemunho de Arrupe, em vida tão cheia de gestos concretos e positivos, nos mova ao maior amor e serviço, especialmente neste tempo de crises.
Termino com as palavras finais da carta do atual Pe. Geral Arturo Sosa. Elas expressam também os meus desejos para a vida de cada um de vocês, meus amigos e amigas:
Estou convencido de que a pessoa do Pe. Pedro Arrupe, neste tempo de graça que agora começa (após 14/11/18) até sua desejável beatificação, suscitará nos jesuítas e em nossos companheiros e companheiras na Missão, um maior desejo de união e de renovação espiritual, que nos impulsione a colaborar na reconciliação de todas as coisas em Cristo, levando-nos, ‘sob o Pontífice Romano’, para onde o Espírito nos conduza.
Pe. Arturo Sosa, SJ
São Paulo, 5 de maio de 2020
* Lamet, Pedro Miguel. (2015). A bomba – o testemunho de Arrupe. Estudos Avançados, 29(84), 219-239.
Pe. Paulo Lisboa, SJ é licenciado em Letras e bacharel em Filosofia e em Teologia, é sacerdote jesuíta com grande experiência na formação de jovens jesuítas e na orientação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola (EE).
Foto: Pedro Arrupe, de Don Dol.
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