A dinâmica de Emaús
Cyril Suresh, SJ
Caríssimos, nós não estamos numa mudança de época, mas sim numa época de mudança marcada pela pandemia, a Covid-19.
A Palavra de Deus, na boca de Pedro e de Jesus, vem iluminando cada um de nós neste tempo pascal.
Pedro ficava de pé (no poder da ressurreição); no seu segundo discurso querigmático (At 2,14-36), que é a vida-morte-ressurreição de Jesus, Pedro corajosamente aponta ao público, acusando-o pela morte de Jesus e identificando Davi com Jesus.
O patriarca Davi colocou sua esperança no reinado de Jesus, o Nazareno, O Cordeiro imaculado, O Caminho para a Vida vivida no temor sagrado: minha carne repousará na esperança (Davi) para que O Deus (uno e trino), não abandone a minha alma na região dos mortos.
Deus ressuscitou Jesus dos mortos (At 2,32); tendo recebido o Espírito, foi exaltado pela direita de Deus-Pai (At 2,33).
Jesus caminhava junto com dois discípulos (Cléofas e sua mulher!). Deles, Jesus escutava as palavras de desespero e acolheu os sentimentos de vazios.
Oportunamente, Ele confronta o coração duro e incrédulo para acreditar na profecia da Lei (T), dos Escritos Proféticos (N) e Sapienciais (K); Ele convida-lhes a crerem na Bíblia (TNK), convalidando o sentido bíblico na sua pessoa e na sua partilha eucarística.
O coração duro virou-se ardente e aquecido no fogo de amor e fé. Com os olhos abertos e os corações iluminados, os dois discípulos foram enviados na missão do anúncio.
O método catequético de Jesus e de Pedro se apresenta para nós como a arte de integrar, de entender o desígnio de Deus e de anunciar o retorno para Deus; eles colocam os acontecimentos separados numa forma coerente de coordenação (parataxe), de subordinação/inter-relação (hipotaxe), de edificação/ordenação (sintaxe); eles olham primeiramente os tijolos aglomerados, depois os conecta, os ordena num discurso mais narrativo (querigmático) e menos discursivo/descritivo.
Assim, o sentido profundo pelo evento Pascal está sendo construído responsavelmente aos poucos.
Há uma transição de conjunção (extrínseca) para constituição (intrínseca), de dispersão para comunhão, de caos para união permanente neste processo mistagógico.
Na tradição espiritual da Igreja, Os místicos, com temor/fervor/amor de Paixão pelo Senhor Jesus Ressuscitado, descobriram esta dinâmica de Emaús nos quatros momentos consecutivos: purgação, purificação, iluminação, e unificação.
São Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila, São Bernardo, São Boaventura, São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola etc. foram grandes diretores espirituais com seus discernimentos dos espíritos e com seus acompanhamentos das almas.
As quatro etapas (purgação, purificação, iluminação e unificação), orientam as pessoas no caminho da fé a ser iniciante, paciente, proficiente e santificante, assim como Jesus orientou os dois discípulos (Cléofas e sua mulher), no caminho ao povoado Emaús.
Progressivamente Jesus está entrando e guiando-lhes…
- no caminho e na conversa desanimada, (purgação)
- no diálogo de escuta (purificação)
- na casa – mesa e na partilha do pão (iluminação)
- no coração (unificação), desaparecendo da frente deles, entrando no coração deles…
Tal movimento de acompanhante poderia ser identificado também com aspecto linguístico; podemos comparar com
- parataxe (discursivo) – purgação,
- hipotaxe (narrativo) – purificação,
- sintaxe (contemplativo) – iluminação,
- êxtase (entusiástico) – unificação.
Post scriptum
Uma pessoa perguntou: “Qual a fonte para afirmar que Cléofas estava acompanhado de sua mulher?”
Não está afirmado nada doutrinalmente que Cléofas e sua mulher…
- Um(a) leitor(a) atento(a) do Evangelho de Lucas pode perceber que o Evangelista mostra uma atenção especial às mulheres nos seus escritos (Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos).
- A leitura tradicional da igreja foi, em sua maior parte, machista. O lugar da mulher no conjunto das obras era a de ser subordinado ao homem (Jesus subverte essa lógica, essas relações).
- Neste contexto de opressão feminina (vide o absurdo índice de feminicídios), ou de pandemia Covid-19, um(a) biblista tem sua responsabilidade de levar “o anúncio” da Palavra numa forma criativa, consoladora e comunitária. É uma sensibilidade pastoral, eclesial e espiritual.
- O termo “outro” (Cléofas e outro) deixa a imaginação do leitor real (hoje, uma mulher, um homem, você, eu, qualquer outro ser humano), para se inserir na narrativa da leitura. Assim, o relato bíblico vai atingir o seu destinatário mais eficazmente.
- Portanto, o texto bíblico cresce junto com seu leitor. Dever ser assim. Se não, o anúncio não tem o seu sentido pleno; a Bíblia não deve ser traduzida em português do Grego (koinê); o Jesus histórico nunca falou em grego nem latim.
- Com isso, o pregador atual com sua responsabilidade eclesial tem um papel em despertar a liderança da família ou da mulher.
- A Exegese da palavra “outro” cabe à pessoa no anônimo; o uso de um elemento em anonimato tem seu motivo descrito em todo Evangelho; o outro (implícito, invisível, pobre, sem lugar, sem identidade) deve ser descoberto, ser servido, ser incluído….essa é a função indispensável do Evangelho.
- Portanto, “outro” no enredo da narração bíblica implicaria com o leitor- ouvinte, que pode ser um homem ou uma mulher, ou uma comunidade cristã ou um grupo (sem identidade religiosa), ou o povo que sofre na pandemia Covid-19.
Nascido na Índia, padre Cyril Suresh cresceu em uma família de tradição religiosa hinduísta. Na adolescência, ao conhecer a história de Jesus Cristo, converteu-se ao Catolicismo, sendo batizado aos 17 anos. Durante seus estudos, em uma faculdade jesuíta, ele tomou contato com a espiritualidade inaciana e decidiu ingressar na Companhia de Jesus. [saiba mais]
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Qual a fonte para afirmar estar Cléofas acompanhado de sua mulher?
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Foi acrescentado ao texto um post scriptum respondendo sua questão.
Obrigado por seu interesse em nosso blog coletivo Ignatiana.
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