Vencer o medo
Simone Furquim Guimarães
A leitura do Evangelho proposta pela igreja hoje é Mc 4,35-41. Narra Jesus e os discípulos no barco, atravessando o mar da Galileia. Jesus dorme durante uma tempestade de fortes ventos. Os discípulos acordam Jesus e perguntam: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?”. Os discípulos não compreendem a pessoa de Jesus: “Quem é este, para que até o vento e o mar lhe obedeçam?”. Diante desta incompreensão, Jesus questiona: “por que estais tão amedrontados? Ainda não tendes fé?”.
No tempo do Império Romano, as pessoas viviam com muito medo, pois o império romano subjugavam as pessoas, crucificavam aqueles que se revoltavam contra o imperador. O mar era símbolo do medo porque a legião de soldados combatentes vinham de Roma pelo mar. Mas Jesus enfrenta o mar, ou seja, Jesus enfrenta a ideologia do poder romano, enfrenta os ventos e tempestades no mar.
Nesta narrativa, eivada de simbolismo, o evangelista levanta a questão para os cristãos de seu tempo (ano 66 a 70 d.C), quando viviam aterrorizados diante da iminência da guerra e destruição do Templo em Jerusalém pelo Império Romano. O Evangelho está a encorajar os cristãos dizendo: mesmo diante das dificuldades, se tivermos fé, teremos a força de Deus para lutar por uma vida melhor, teremos Deus a nos libertar do medo.
Hoje, temos razões para ter medo. Temos tantas formas de violências (roubos, homicídios, violência de gênero, sexual, intolerância religiosa, xenofobia, homofobia, criminalização de movimentos e grupos, desemprego etc.) e catástrofes naturais (falta de chuva, falta de água, elevação da temperatura climática, terremotos, epidemias etc.); tudo isso nos provocam medo.
O Evangelho de Jesus quer nos dar força, coragem e compreensão de como vencer o medo. Deus encarnou e se fez humano para nos ensinar seu projeto, pois quer nos libertar de todo temor. Do início ao fim, Deus está a nos encorajar:
Não tenham medo, eu estou aqui.
Gn 15,1; Gn21,17; Is 41,10; Lm 3,57; Dt 31,6; Mc 16,6; Mt10.26.28.31; Mt 14,27; Lc 12,32; Jo 6,20; Ap 1,17 etc.
Quando Jesus levanta a questão: “por que ter medo?”, nos pede uma atitude ativa e não passiva, pois o medo paralisa, ele é o contrário da fé em Deus e em seu projeto para a humanidade.
O medo tem causa: é provocado por nós mesmos que não construímos uma sociedade do “Bem Viver”, com justiça, respeito e dignidade para todos. Enquanto vivermos a contradição de louvar e bendizer à Deus; porém, não colocarmos em prática seu projeto de amor ao próximo, cultivando em nosso dia a dia, no trabalho, na família, na sociedade, nas decisões de Leis que atendam a dignidade da pessoa humana, conforme é da misericórdia divina (Lc 15), não teremos ainda compreendido a pessoa de Jesus e os mandamentos de Deus. Viveremos então continuamente com “medo”.

Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.