Bem-aventuradas, bem-aventurados

Simone Furquim Guimarães

A leitura do Evangelho hoje é Mt 5,1-12. No início de sua vida pública, Jesus sobe a uma montanha e, diante da multidão, pronuncia seu primeiro grande discurso sobre a justiça (cf. Mt 5 a 7).

A cena é simbólica: Mateus descreve Jesus como um novo Moisés, o profeta que transmitiu a Lei de Deus (o decálogo, cf. Ex 19,25). Jesus também sobe à montanha para anunciar a “Nova Lei” de Justiça. Antes de fazê-lo, passou pelo deserto, jejuando quarenta dias (cf. Mt 4,1–11), como se preparasse o coração para a missão que viria. Jesus inicia a proclamação da Nova Lei de Justiça com as Bem-Aventuranças.

“Bem-aventurados/as” é o mesmo que “felizes”, mas não se trata de uma felicidade passageira ou superficial. É a alegria profunda de quem, mesmo em meio à dor, reconhece a presença do Reino de Deus. Jesus promete a felicidade tanto para os que ainda não receberam a justiça, que é a realidade dos pobres, dos mansos que não têm terra, dos aflitos, mas lutam por ela com toda a força (a síntese disso é o versículo 6: fome e sede de justiça); a felicidade também é para os que praticam a justiça: com misericórdia, com pureza no coração e que promovem a paz. Jesus sabe que para estas pessoas haverá perseguição (conforme anunciado no verso 10).

Jesus reconhece que esses serão perseguidos, porque a justiça do Reino confronta os poderes deste mundo. Mesmo assim, garante-lhes a promessa: “Deles é o Reino dos Céus”. O detalhe é decisivo: o verbo não está no futuro, mas no presente. “O Reino já lhes pertence. Pois, para Jesus, haverá justiça quando os mansos possuírem suas terras, quando os aflitos forem consolados e os que têm fome e sede de justiça sejam saciados.

Essa Palavra nos convida a um movimento interior e exterior: “tomar posição”, “julgar a realidade” e “agir conforme os mandatos divinos”. O Evangelho de Mateus é dirigido a um povo ferido – camponeses que haviam perdido suas terras para o Império Romano, submetidos a impostos pesados e a uma vida de privações. Hoje, a história se repete. Milhares de famílias são expulsas de seus lares pelas forças do mercado: nas zonas rurais, o latifúndio; nas cidades, o mercado imobiliário e políticas urbanas que priorizam o lucro e não a vida. O resultado é doloroso – um número crescente de famílias sem teto, sem terra, sem pão.

Diante dessa realidade, a voz do Papa Leão IV ressoa profética. Em sua primeira encíclica, ele nos chama a colocar “os pobres no centro da vida da Igreja” e denuncia com coragem a “ditadura de uma economia que mata”, sustentada por ideologias que exaltam o mercado e a especulação financeira, esquecendo o ser humano.

À luz do Evangelho, somos chamados a ser “bem-aventurados da justiça” porque o  Reino de Deus deve estar entre nós; deve florescer no coração de quem ama e luta pela justiça. Amém!

Evangelho

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Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

Ano C — Todos os Santos

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

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