Mesa: lugar da fraternidade e da amizade social
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Quarta-feira da Semana Santa
Jesus, no final de sua vida pública, quis cear com os seus amigos e por isso precisavam encontrar uma sala na qual houvesse espaço para estarem juntos.
Chama-nos a atenção, no Evangelho de Mateus, a maneira como Jesus indicou aos discípulos o local onde queria que a Ceia fosse celebrada: mandou-os seguir um homem que encontrariam à entrada da cidade.
Junto a personagens conhecidos nos Evangelhos, outros, sem rosto, nem identidade, nem protagonismo, surgem inesperadamente, deixando sua “marca”, como o desconhecido homem que emprestou sua casa para que Jesus e seus discípulos pudessem celebrar a Páscoa.
Anônimo perante a posteridade, este homem, de certo modo e do modo certo, serviu a Jesus como a Igreja deve serví-Lo, sem perguntar qual seria seu lugar à mesa. Ofereceu a casa sem perguntar quem viria celebrar a Páscoa, sem pedir garantias, sem cobrar aluguel pelo espaço; enquanto os sacerdotes e Judas “pechinchavam” o valor da vida de Jesus, este desconhecido, por pura gratuidade, ofereceu sua casa ao mesmo Jesus. Certamente, ele e sua família foram testemunhas desta ceia única e especial, e que será a marca de todo(a) seguidor(a) de Jesus.
Aquele homem desconhecido, representa a todos nós; cabe-nos mostrar o caminho do local da Ceia, cabe-nos palmilhar, sobre as pedras do cotidiano, o rumo que leva à casa do Pai.
E devemos fazer com que outros nos sigam, para que se cumpra tudo que foi instituído.
Orientadores do povo de Deus, abrimos as portas da grande sala e a confiamos ao Mestre para que realize ali o imenso dom da Eucaristia, “como aquele que serve”.
+ Prepare-se para viver este momento denso da Última Ceia; por isso, disponibilize todo seu ser (sentidos, razão, afetividade, coração) para “sentir e saborear” este Mistério.
+ Um cuidado especial com os preâmbulos: oração preparatória, composição vendo o lugar, petição da graça…
+ Leia os “pontos para a oração”: isso pode ajudar a aquecer o coração para viver mais intimamente o encontro com o Senhor que está às portas de sua Paixão.
– Essa foi a prática de Jesus que mais causou espanto e escândalo: a partilha nas mesas com pobres e pecadores. Para Ele, a mesa era para ser compartilhada com todos; a partilha do pão com publicanos e pecadores fazia parte das práticas transgressoras de Jesus.
Comendo e bebendo com todos os excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a separação…
Jesus revelava uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres e excluídos. Ele não só transitou por outras mesas, mas instituiu a grande mesa para a festa, o encontro, a memória: a “mesa do Lava-pés e da Última Ceia”.
– A pedagogia de Jesus incluiu a “espiritualidade da mesa”. Ele, antes de fundar uma igreja, fundou a “comensalidade”. Ao reunir os seus discípulos para o encontro junto à mesa, Ele revelou o verdadeiro simbolismo deste simples móvel: a lição fundamental da comunhão, como fonte inesgotável de vida. A comunhão que faz sonhar com a mesa eterna no Reino e desafia seus comensais a viver encontros solidários, como hábito e dinâmica que preserva e promove a vida. Do encontro junto à mesa ao encontro com os mais excluídos: este deve ser o movimento inspirador de todo(a) seguidor(a) de Jesus.
A espiritualidade da mesa não pode ser apreendida e mercantilizada por ninguém, pois ela é puro dom da refeição – onde dois ou mais estiverem reunidos por causa do alimento-mesa-ser humano, um novo mundo poderá ser descortinado, revelado. A benção à mesa instaura o horizonte da partilha, em que as coisas são destinadas à necessidade de todos por meio da co-responsabilidade dos participantes no banquete da Criação, sobre cuja mesa Deus preparou pão e vinho em abundância para todos.
A comunhão bíblica se realiza entre os “distantes e os diferentes”, por meio de um gesto que não é de poder, mas de esvaziamento, não é de apropriação, mas de partilha, não é de fechamento, mas de abertura das mãos que acolhem, que distribuem… “Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles”. (Atos. 4,32).
– Sentar-se à mesa com o outro é descobrir-se vivo, corpo pulsante, latente, carente.
Mas é também descobrir um outro tipo de alimento, que só pode ser colhido na delicadeza da inter-relação, no encontro gratuito com o outro.
Nela e com ela aprendemos a acolher o outro como dom. Aprendemos a nos doar, a partilhar, a receber, a escutar e a falar, a contemplar o outro em sua singularidade. A mesa é também o lugar onde acolhemos a dor e as tristezas do outro, com quem partilhamos nossa refeição. A mesa-refeição, portanto, é o lugar do suporte das relações, espaço que garante o sustento, que alimenta o corpo, o emocional, o psíquico, o espiritual e o social. Lugar fecundo, onde o imprevisível pode acontecer.
– A mesa da refeição se torna lugar de humanização do ser humano. Espaço de verdadeira reserva de humanidade. Muitos são aqueles que sabem abrir as mãos, partir o pão, saciar a fome do irmão.
É nesse universo de mesa-refeição que o ser humano vai se autoconstruindo, autodefinindo como ser que é humano, mas também divino. Diviniza-se humanizando, humaniza-se divinizando.
O simples gesto de passar ao outro o que ele precisa é um gesto despojado de poder, de segundas intenções. Quando alguém passa um prato ou um pedaço de pão ao companheiro, está passando mais do que isso: partilha em comum a mesma sorte. “Servir” é o nome do gesto fundamental de estar à mesa. Há necessidades atendidas, o cuidado amoroso perpassa as relações; busca-se o necessário revigoramento físico para a continuidade do caminho, o esforço no trabalho, a preservação da saúde…
O ritual da mesa rompe as distâncias e garante a proximidade, estabelece o estreitamento dos vínculos com o diferente. Junto à mesa, cada um se coloca diante do outro, não importando as diferenças de vida, de opções. A lição da misericórdia é a única que ganha validade e sentido.
A espiritualidade da mesa exala gratidão aos que dela se aventuram em assentar-se. Com isso ela nos interpela a vivermos uma espiritualidade do encontro e do serviço de uns para com os outros. Esta é a prova da autenticidade do verdadeiro seguimento de Jesus.
Texto bíblico: Mt 26,14-25
+ Leia atentamente o relato do Evangelho indicado para hoje: Mt 26,14-25.
+ Com a imaginação, faça-se presente à cena, indo com os discípulos para preparar o ambiente da Última Ceia.
– Procure ativar todos os sentidos: olhe as pessoas da cena, escute o que elas dizem, observe o que elas fazem, saboreie o pão e o vinho dados a você por Jesus…
– Participe, com alegria, deste evento único; deixe-se afetar por tudo o que acontece durante a refeição. Reserve um momento de colóquio com Jesus, expressando a Ele seus sentimentos.
– Finalize sua oração, manifestando profunda gratidão. Depois, registre no caderno de vida as experiências e sentimentos vividos neste momento.
Adroaldo Palaoro é padre jesuíta, atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
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