A despedida com rosto de ternura
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Terça-feira da Semana Santa
Segundo os relatos dos Evangelhos, durante sua vida pública, Jesus transitou por muitas refeições, participou de muitas mesas (especialmente com os pobres e pecadores) e, para culminar, organizou com seus amigos mais próximos uma ceia de despedida e de esperança; deixou uma “mesa” como marca dos seus seguidores: mesa da partilha do pão e da inclusão, mesa da festa e da comunhão.
É em torno a esta mesa que os seguidores de Jesus se constituem como verdadeira comunidade fraterna. Ao recordar a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, os cristãos se comprometem a prolongar os Seus gestos, atitudes, valores, compromissos… “Fazer memória” de Jesus junto à mesa é acolher o convite que Ele dirige a todos: “Vós sois todos irmãos e irmãs”; só a mesa eucarística reforça os laços entre os participantes, constrói a verdadeira comunidade cristã, comprometendo-a com a vida e com a causa do Reino.
+ Crie um ambiente mais favorável para a oração deste dia: afaste-se das redes sociais, alimente uma atitude interna de escuta e silêncio… para viver mais intensamente os “momentos finais” da vida de Jesus.
+ Faça a oração preparatória (de entrega), a composição vendo o lugar (a última Ceia), e peça a Deus a graça de participar dos sentimentos de Jesus, às vésperas de sua morte.
+ Leia as “indicações” abaixo como ajudar a se fazer presente na ceia de despedida de Jesus.
– A ceia de hoje (em Jerusalém) é marcada por uma comoção profunda, onde Jesus vê-se traído, vendido, enganado e abandonado por aqueles que Lhe juravam fidelidade e amizade profunda. Esta noite, Jesus começou a sentir que estava sozinho. É o sentimento mais duro e doído que alguém pode passar.
Apesar de um ambiente “carregado”, Jesus encontra motivos para celebrar uma ceia com os seus amigos mais próximos. Ele sabe que a transformação das relações humanas se dá através do partir o pão e do passar o cálice de vinho; como o pão é um, comer desse pão “irmana” a todos. A Eucaristia faz de todos nós Corpo de Cristo. Daí o interesse da primitiva Igreja em que, na Eucaristia, comungassem todos do mesmo pão partido, com a finalidade de fazer visível essa unidade de todos.
Tomar o pão e o vinho da Eucaristia é fazer memória de uma presença que nos compromete.
– Durante as contemplações dos mistérios da Paixão e Morte de Jesus, um personagem vem sempre à nossa lembrança: Judas Iscariotes. Reagimos negativamente frente sua traição a Jesus, mas no fundo ele nos causa repulsa porque é projeção das nossas infidelidades e traições. Ele é o espelho no qual nos vemos.
Certamente o maior sofrimento de Jesus partiu do grupo mais íntimo; da perseguição externa já era esperada, mas do grupo de convivência dos discípulos, foi muito duro para Jesus. E Judas era considerado “um dos Doze”.
Podemos destacar duas dimensões na Paixão: uma acontece no grupo interno (traição, negação, busca de poder, incompreensão da missão…); isso provoca profundo sofrimento em Jesus. A outra paixão é provocada pela oposição, perseguição externa… Geralmente ficamos impactados com os sofrimentos físicos cometidos pelos opositores. O sofrimento interno não é visível, mas é maior.
Mas… o que vem a ser a traição? Como ela se manifesta na nossa vida? Por que traímos a confiança do outro? O ato de trair implica romper uma aliança que uma pessoa fez com outra. Trair é uma ação que revela sérias consequências, e, quando se fala de relacionamento humano, envolve sofrimento e sensação de abandono, gerando um estado de desconfiança generalizada naquele que foi traído.
Traição dói na proporção inversa da distância. Quanto mais próxima a pessoa traidora, tanto maior a dor do traído. A traição se situa no mundo das amizades, das vinculações afetivas intensas, das ligações íntimas, das proximidades de vida.
– Nem todos se sentem à vontade à mesa fraterna da Última Ceia. Há muita traição que rompe a comunhão entre os convivas. Quando Jesus anuncia que um deles vai lhe entregar, todos ficam “assustados”, “olham-se mutuamente”, mas não conseguem identificar o traidor.
Os traidores não têm um rosto especial; qualquer rosto vale para dissimular a traição do coração; qualquer rosto vale para esconder um coração traidor.
Judas, em nada dava sinais de ser diferente do restante dos discípulos. Por isso ninguém se atreveu a acusá-lo de traidor. Parecia tão normal como qualquer outro do grupo.
É que as traições são alimentadas e escondidas no coração; as traições não têm rosto, não são visíveis. Por isso mesmo, os traidores, são tão difíceis de serem reconhecidos. Caminham como todos. Comem como todos. Sorriem como todos. Têm cara de amigo, mas, por dentro, carregam um coração vendedor de vidas, de dignidades.
– Hoje, as traições encontram outras expressões funestas. Outros “judas” assumem feições dissimuladas. Vivemos tempos de profundas rupturas desumanizadoras no campo social, político, racial e sobretudo religioso; são tempos de ira e de ódio, frutos do fundamentalismo e da intolerância que envenenam as relações inter-pessoais, se visibilizam na internet e nas redes sociais, se alimentam de sentimentos putrefatos que brotam de corações rígidos e mentes doentias. As mentiras e as fake-news são servidas em pratos indigestos, através de coações, insultos e ameaças. Há excessivas palavras que afogam, companhas sórdidas, comentários maldosos, notícias sem fundamento e que destroem reputações… Quando, carregado de ódio, alguém desqualifica o outro em nome de uma “pretensa verdade”, na realidade o que está fazendo é alimentar, em pequena escala, o mesmo vírus que, em grande escala, desencadeia guerras e terror.
Este cenário macabro parece dominar tudo. O amor está sendo banido das esferas públicas, dos ambientes familiares, dos espaços religiosos, das relações sociais. Sabemos que, onde não há amor, impera o fundamentalismo, o moralismo, o negacionismo, o fanatismo… Onde não há amor, a verdade se corrompe. Onde o amor é exilado ali transparece a podridão da desumanização. E o mais escandaloso: tal ambiente fétido é alimentado por “cristãos vestidos em pele de lobo” que, hipocritamente, mostram uma “cara lavada”, mas o “interior está cheio de roubos e maldades” (Lc 11,39).
+ Antes de entrar em contemplação, leia serenamente os “pontos” abaixo:
Texto bíblico: Jo 13,21-33.36-38
+ Leia atentamente o Evangelho da liturgia de hoje. Jo 13,21-33.36-38
+ Comece a contemplação ativando todos os seus sentidos, para poder participar intensamente da cena: olhe, escute, observe… Deixe-se impactar pelo clima do ambiente.
+ Sinta-se desconcertado quando Jesus anuncia que um do grupo vai ser o traidor. Veja as reações dos discípulos, a tristeza de Jesus…
+ Diante de “Jesus traído”, recorde experiências pessoais de traição: quando foi traído? Quando traiu? Como se sentiu?
+ No final da oração dê graças por poder participar deste momento.
+ Passe um bom tempo nesta sala, onde está acontecendo um evento histórico e essencial para os seguidores de Jesus: a instituição da Eucaristia. Participe também você da refeição.
+ Faça exame da sua oração e registre no “caderno de vida” os movimentos (moções) do coração.
Adroaldo Palaoro é padre jesuíta, atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
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