Consciência de Deus, consciência da vida, consciência do mundo
Júlia Silvana Oliveira
A vida me levou ao encontro de Santo Inácio de Loyola ainda criança, em Montes Claros (MG). À noite, sentada em um banco, enquanto lavava vasilhas, minha mãe foi quem me preparou para a primeira comunhão. Como morava em um vilarejo, quando visitava minha vó em Montes Claros, ia, com ela, à igreja São Sebastião dos padres jesuítas. Tenho na memória, minha mãe, vó Maria, a paróquia e o Padre Henrique com suas celebrações, orações e palavras. Que palavras? Não sei dizê-las. Mas ao falar da minha experiência de fé, esse é o solo memorável que povoa meus afetos e histórias de criança. Lembro-me que num determinado momento definido pela minha mãe, seguindo minha vó naquela fila, comunguei pela primeira vez, aprendendo, ali a comunhão nossa de toda celebração, a comunhão nossa de todo dia.
Adolescente e estudante da Escola Normal de Montes Claros, participava de grupos de Reflexão de Vida, como nos denominavam os professores com quem nos encontrávamos semanalmente. Recitávamos poesia, liámos, cantávamos e brincávamos de fazer teatro. Até que um dia nos apareceu por lá, Padre Inácio. Um espanhol da São Sebastião: polêmico, ativo, espalhafatoso na alegria e na paixão pela vida. Arretado, era como nos referíamos ao Padre Inácio. E com ele veio a primeira aprendizagem inaciana da minha vida: fazer “Exame Diário de Consciência”. A igreja tinha um sino que tocava ao anoitecer. Esse era o momento que tínhamos combinado no grupo, parar e fazer um “filminho” do que foi vivido no dia. Sempre fui por criação e jeito de ser denominada como “pessoa de temperamento forte e difícil” e aquele “filminho diário”, lembrado pelo sino da São Sebastião, no qual eu via o meu dia passando pela Graça e pelos meus erros educava meus afetos. Lembro-me do professor Souza, de matemática, que ouvindo as partilhas dos nossos exames de consciência, exclamava admirado, entusiasmado: “isso é revolucionário”. Realmente, aprender aquela prática e vivê-la, foi um marco diferenciador da minha vida. Não tinha ali nenhuma compreensão elaborada, sei que vivia o “exame de consciência” do Padre Inácio da São Sebastião. E nessa dinâmica aprendia descobrir a Deus que tudo perpassa, agradecer por toda vivência, reconhecer meus erros e seguir desejando melhorar nos propósitos da vida.
Da infância, passando pela adolescência, até a juventude e de Montes Claros a Itaici, num processo Pastoral dos padres jesuítas, fui perpassando da experiência cotidiana do “exame de consciência” até as vivências dos Exercícios Espirituais (EE). Sim, foi no solo inaciano dos EE que nasceu, cresceu e amadureceu minha consciência de Deus, da vida e do mundo.
Escolhi como profissão ser professora. Como professora vivi com as Filhas de Jesus, desde a Escola infantil de Montes Claros até o Colégio Imaculada de Belo Horizonte, meus maiores crescimentos como pessoa de fé, esperança e amor. Sim, respirando, com elas os ares inacianos, fui me tornando uma professora que ensinava Religião, História e Filosofia na Rede Particular de Ensino e na Rede Pública da Prefeitura de Belo Horizonte. Nesse movimento como professora, aprendi que o fundamento do meu trabalho, na sala de aula, nas lutas sindicais pelas quais passava, seria o lugar de viver o que aprendi nos EE: contemplar Deus em todas as coisas e em tudo amar e servir. Nesse ciclo profissão-experiência de fé foi onde, mais enxerguei meus limites humanos e mais acertei como filha de Deus que sou e irmã de todos que desejo ser.
Vivenciei os movimentos do casamento e a maior de todas as experiências da minha vida: ser mãe do Pedro, meu filho muito amado. Aqui também experimentei discernimentos grandiosos, seja nas relações próprias do casamento, seja nas da maternidade. Tive só um sonho como mãe: criar um filho feliz e bom, que enriquecesse o mundo com a bondade e o respeito, vivenciando a máxima inaciana, que é para todo e qualquer ser humano: em tudo amar e servir. E aqui, Deus foi também muito bom comigo.
Sigo como professora da Rede Municipal de Belo Horizonte, vivendo com minha família e como membro da CVX na Comunidade São Paulo, inserida nas lutas pessoais da vida e nas lutas coletivas necessárias a partir de onde, fui fincada: o solo inaciano no qual nasci, vivi e tenho a graça de continuar vivendo.
Hoje, só desejo que o Espírito Santo não me deixe abandonar o que aprendi com a intuição orante de Inácio: 1) meditar o amor de Deus, me carregando como filha amada no colo do mundo; 2) contemplar o jeito divino e humano de Jesus, me inspirando como mais amar e servir, inserida nas feiuras, belezas e lutas reais em defesa da Vida; e 3) seguir transformando-me, porque respirei nos ares amorosos inacianos uma consciência de fé, sou um dom e que na luta nossa de todo dia, eu saiba que tudo é Graça de Deus, tudo é Graça da Vida.

Afirmo, sem dúvida, a fala que mais povoou minha consciência nos meus embates pela vida foi: “TUDO É GRAÇA. EM TUDO AMAR E SERVIR”.
Júlia Silvana Oliveira é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade São Paulo, Belo Horizonte (MG).
Imagem: Sara Goldman Belz (1940-). Sim, 1985. Enciclopédia Itaú Cultural.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
Tudo é graça!
Como é bom aprender a perceber essa verdade e a saboreá-la!
Obrigada Júlia!
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Que testemunho maravilhoso, Julia! Só podemos fazer a diferença quando tomamos consciência! De Deus, do mundo e de quem somos!
Muito obrigada pela partilha!
Forte e carinhoso abraço
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