Nossa experiência na espiritualidade inaciana

Sônia Freitas
Itair Castilho

Introdução

Foi-nos solicitado para escrevermos um texto, dentro do Ano Inaciano, compartilhando alguma experiência que vivemos ou que um de nós viveu, na qual a espiritualidade inaciana tenha ajudado, “uma experiência que o coração sugerir”. De início tomamos um susto. Nunca imaginamos a possibilidade de escrever algo que pudesse ser publicado na Revista. Considerando, porém, o convite feito pela coordenação da CVX para as comemorações do Ano Inaciano, refletimos em oração e decidimos compartilhar um pouco dessa nossa trajetória, de mais de 40 anos, em forma simples, despretensiosa e a modo de testemunho mesmo, pois, na verdade, desde que a espiritualidade inaciana nos alcançou na caminhada de fé toda a nossa vida tomou nova direção. Vejam como Deus vem nos preparando nesse percurso!

Antes da CVX

Casamo-nos em 1965 e desde o início de nossa vida juntos participamos da Igreja como paroquianos engajados n’alguma Pastoral: catequese, coral litúrgico, obras sociais etc., mas sequer conhecíamos a Bíblia. Antes do Concílio Vaticano II pouquíssimas pessoas a tinha em casa. Ganhamos a primeira no Ano Novo de 1969, presente de Padre Antônio Borges Horta, lazarista importante na nossa caminhada de fé. Até então, em cidade pequena do interior, como tantos outros do nosso convívio, tínhamos uma fé muito ingênua, simples, imatura, até porque a catequese que conhecíamos resumia-se em decorar orações e fórmulas, mostrando-nos um deus distante de nós, vigilante e castigador que causava mais medo que vontade de seguir; e uma Igreja autoritária, também longe de seus fiéis que só ouviam e obedeciam com “medo do inferno”.

Na convivência com o padre Borges, aberto às orientações do Vaticano II, fomos desenvolvendo uma nova visão de Igreja como Povo de Deus. Um melhor contato com a Palavra, na Bíblia e na Liturgia, levou-nos também a compreender as Pastorais como forma de “Comunhão e Participação”, revelando-nos a importância do leigo na caminhada eclesial. Houve, porém, uma questão: como poucos se apresentavam voluntariamente e a demanda era grande, fomos acumulando diversas funções pastorais e a maioria dos trabalhos recaíam sobre nós.  Cansamos muito e aprendemos menos do que precisávamos.

Mudamos, já com quatro crianças, para Belo Horizonte no início de 1972 e fazíamos questão de nos sentarmos sempre nos últimos bancos da igreja nas celebrações. Assim o foi por quatro anos.

A partir de 1976, querendo, nós mesmos, dar catequese para nossos filhos, entramos para a Pastoral de Catequese Paroquial. Com isso, e por isso, entrosamo-nos com vários jovens, catequistas e catecúmenos, atuais ou futuros participantes do Grupo de Jovens da paróquia, também ligados ao Treinamento de Liderança Cristã (TLC), movimento jovem criado pelo jesuíta Haroldo Rahm, que congregava jovens de várias paróquias à Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Belo Horizonte. Claramente Caminhos de Deus!

Nossos primeiros contatos com jesuítas começaram justamente desses Encontros e Cursos promovidos pelo TLC que alguns deles ajudavam. Em pouco tempo já estávamos, de novo, acumulados de “tarefas”. Cansados fisicamente e espiritualmente frágeis. Queríamos e buscávamos algo que preenchesse aquele vazio interior que sentíamos e nos desse um novo sentido à vida.

Na CVX: Caminho Inaciano

Em 1981, foi-nos apresentada a CVX e fundamos, juntamente com outros, em 05/08/1981, a Primeira CVX da Regional Minas, a Comunidade Santo Inácio, inicialmente acompanhada pelo Padre Ramon, sj.

A partir de então tudo mudou em nossa vida e caminhada de fé. Um verdadeiro “divisor de águas”. As reuniões, os cursos e encontros da CVX, os retiros, sobretudo os Exercícios, o conhecimento e vivência da espiritualidade inaciana abriram-nos horizontes totalmente novos: nova visão de Deus, de mundo, outra compreensão de Igreja. As relações com a Trindade, com Maria, com as pessoas, com os acontecimentos e dificuldades do dia a dia tornaram-se “mais leves”, mais amenos, pois acolhemos a Vida de forma completamente diferente, também mais leve.

A experiência vivida nos Exercícios Espirituais e praticada no cotidiano da vida escavou nossas potencialidades mais profundas – dons de Deus – e ampliou nossas capacidades de “amar e servir” em formas e dimensões absolutamente outras. Estamos a caminho, claro, ainda em busca do “magis”, mas com o olhar renovado e confiantes na presença animadora e constante do Espírito. Aprendemos, em primeiro lugar, conhecer a nós mesmos como criaturas amadas e reconciliadas por um Deus que nos acolhe em toda a nossa humanidade, com amor pleno de misericórdia e compaixão. Conhecendo-nos e acolhendo-nos nessa profundidade, pela Graça que nos é concedida e nos habita, aprendemos a amar e acolher, a nós e às outras pessoas, também com misericórdia e compaixão. Exercício constante para “ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.

Vivemos, nesse tempo, várias situações e conflitos em que a espiritualidade inaciana claramente nos ajudou, tanto nas relações pessoais e familiares quanto na sociedade e na Igreja. Sobretudo deu-nos a capacidade da empatia, da compaixão, da compreensão das fragilidades humanas, do entendimento da presença e ação amorosas de Deus em todas as pessoas e acontecimentos e tudo o mais que apreendemos dos Exercícios Espirituais. A busca da identificação existencial com a pessoa humanizadora de Jesus e seus ensinamentos, nos alcançou uma das maiores graças de nossa vida, num momento dificílimo de nossa história familiar que ameaçava desmoronar e jogar por terra um harmoniosíssimo compromisso matrimonial de 25 anos. É sempre difícil lidar com a decepção, com a quebra da confiança, mais ainda quando se dá entre pessoas que se amam e veem diluindo um sonhado e estruturado projeto de vida, assim, de repente, de uma hora para outra, sem muita explicação. Na época, um descompasso geral. Uma terrível divisão interna questionando constantemente: “como pode?” Não fosse estarmos vivendo essa espiritualidade, principalmente em Comunidade, muito certamente não estaríamos mais juntos. Certeza absoluta de nosso amor, abençoado e ratificado pelo Amor Maior, a rocha que alicerça o nosso SIM desde o início. A marca dessa espiritualidade e a ação visível do Espírito Santo, que acolhemos na fé, deram-nos a graça clara da serenidade nos muitos dias de diálogos, lágrimas e alegrias! Experiência riquíssima da graça consoladora de Deus!

A prática diária da oração, do exame e do discernimento – com a Luz do Espírito Santo – dão novo sentido aos trabalhos e funções que hoje exercemos na comunidade em que vivemos, na família e na Igreja. Isto se dá pela relação amigável com a pessoa real de Jesus Cristo, cada vez mais próxima e íntima que, ao mesmo tempo questionadora e desafiante, nos convoca a fazer nossas todas as opções d’Ele em favor do Reino, no amor-serviço em obediência à Vontade do Pai.

Sigamos na graça pois

O amor consiste mais em obras do que em palavras. 

EE 230

 


Sônia Freitas e Itair Castilho são leigos, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade São Paulo Apóstolo, Brumadinho (MG).

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Imagem: Ismael Nery (900-1934). Origem Nº 4 – Etapa Final. Enciclopédia Itaú Cultural

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

1 comentário Deixe um comentário

  1. Esse casal, Sônia e Itair, seguramente é um dos pilares da CVX no Brasil. Obrigada pelas orações e serviços que vêm prestando ao longo de todo esse tempo. Ver o carinho com que vocês se tratam faz a gente acreditar no casamento!
    Obrigada!

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