Caminhando na espiritualidade inaciana

Maria Inés Saadi de Tozatto

Caminante no hay camino, se hace camino al andar.

Antonio Machado

Nasci e vivi por dezessete anos em Junin, pequena cidade da Argentina. Filha de mãe brasileira e pai argentino me pergunto: para que Deus quis que fosse assim? Para aprender a transitar entre culturas diferentes, para acolher a diversidade, para fazer pontes entre as pessoas? Fui criada na religião católica e desde pequena participava das procissões e dos ritos na paróquia. Em nossa casa vinha o padre amigo e cantávamos tocando violão. Meu pai morreu vítima de doença terminal quando eu tinha 15 anos.  Uma pedra de tropeço familiar! Mamãe, com cinco filhos a criar, resolveu que moraríamos no Brasil, onde a família materna nos apoiaria. Hoje, acredito que Deus foi nos abrindo este novo caminho que, com fé e coragem foi nos fazendo evoluir e re-existir. Animada pelo Espirito Santo, Mamãe passou a ser testemunha fiel de força e esperança e me dizia: “como cristã você tem o dever de ser alegre”. Até aqui me vejo banhada pela fé materna.

Somente na juventude tive meu primeiro encontro pessoal com Jesus. Participando do TLC (Treinamento de Liderança Cristã), a espiritualidade inaciana foi me transformando e fui me vendo como agente de transmissão da fé. Nesta época, o meu casamento foi a confirmação de que há sempre três sujeitos para viver o amor conjugal: Jesus, o outro e eu!

As demandas familiares e profissionais foram me ocupando por quase uma década até que, já com dois filhos e uma filha (presentes abençoados de Deus), comecei a me questionar: para que estou vivendo? Qual é o sentido de minha vida?   

A posteriori, olhando meu percurso, vejo sinais de Deus, Pai Cuidadoso que foi me aproximando de Inácio. Fui catequista, com apenas doze anos, de crianças pequenas que frequentavam a Igreja Matriz de San Ignácio de Loyola, na minha cidade natal. Vários anos depois, ao saber de minha inserção na CVX (Comunidades de Vida Cristã), minha mãe me contou que ela, na minha infância, deixava a comida queimar na panela, absorta na leitura dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.

Ainda olhando minha história, percebo hoje que, entrar na CVX há trinta e três anos, foi um acontecimento! Nada ficou como era. Fiz uma passagem! Fui além do que aprendi da espiritualidade, pelo legado familiar, e passei a viver regida pela lei do Amor, tendo como motriz de minha caminhada: o que fiz; o que faço e o que farei por Cristo! 

Sendo uma profissional já bem sucedida, uma das frases dita por Santo Inácio acabou sendo como sua bala de canhão para mim: “Trabalhe como se tudo dependesse de você e ore como se tudo dependesse de Deus”. Ou seja, sou colaboradora da obra divina. Faço minha parte e Deus faz sua parte. Até aqui, eu ainda acreditava que a cura emocional de uma pessoa se dava através de um processo de terapia psicanalítica bem sucedido. Passei, então, a experimentar o limite de minha função como psicanalista e a valorizar o cuidado espiritual, suplementando a cura.

Mas como “não é o muito saber que sacia e satisfaz a pessoa, mas o sentir e saborear as coisas internamente” (EE 2,4), comecei a sentir que minha missão era colocar meus dons de cuidadora e terapeuta a serviço do Reino, acolhendo a vontade de Deus para minha vida.

“Em tudo Amar e Servir”
é o que me define como cristã. 

A caminhada na espiritualidade inaciana acontece com quatro alicerces:  oração diária, acompanhamento espiritual, partilha em comunidade e retiro anual. Imersa nesta caminhada, aprendi que ser cristã não é apenas uma dimensão da minha identidade. “Em tudo Amar e Servir” é o que me define como cristã. 

Como inaciana fui mordida pelo bichinho do MAGIS! Fui acolhendo que minha missão nesta sociedade tão desigual e injusta era desenvolver projetos de cuidado e/ou de cura também com as populações mais vulneráveis, com os descartáveis. E assim, entrei em comunidades pobres atendendo a demandas daqueles que não tinham esta oportunidade. Num banco da igreja, num jardim, num banco da praça, estar na escuta, criar diálogo, propiciando refletir sobre si mesmo e sobre sua participação responsiva no mundo. Vale dizer que a pandemia (COVID-19) iniciou uma nova era e escancarou a enorme desigualdade social.

O Papa Francisco nos convida a irmos além de uma pastoral mantenedora. Isto me traz o desafio de ousar e ter coragem para não me deixar paralisar pelo medo, já que medo é falta de Fé. Então, a pergunta atual é: O que Deus quer de mim hoje? Como retribuirei ao Senhor por todo o bem que Ele me fez?

A família humana grita por “CUIDADANÍA”: pede para ir além da “cidadania”. A “cuidadanía” vem sendo desvalorizada pela sociedade contemporânea. O cuidado é uma forma de se fazer presente, de ser presença no mundo e, assim, participar da produção de sentido. Precisamos recuperar a “cuidadanía” e fazer do cuidado o modo mais valioso de habitar a vida singular e coletiva. Políticas e ações de cuidado nos desafiam!

Somos convocados a um novo olhar, a um novo agir: assim como fazemos caminho ao andar, a cuidar aprendemos cuidando e, como Inácio de Loyola, vamos exercitando e discernindo no cotidiano.

Amar, cuidar, curar movidos pelo vigor do Espirito Santo que aquece nosso coração.     

            

Bibliografia

NAJMANOVICH, Denise. “CUIDADANÍA” Ecología de saberes y cuidados. In: DUERING, Emilio; CUFRÉ, Letícia. El tejido social en las calles sin nombre. Reflexiones sobre un acompañamiento en el abordaje de las violencias cotidianas. Ciudad de México: Tirant Humanidades, 2021. p. 236-264.


Maria Inés Saadi de Tozatto é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade Nossa Senhora da Luz – Rio de Janeiro (RJ).

Imagem: Ligia de MedeirosBandeirinhas e Mastro (gravura)
[Instagram | site]

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

3 comentários Deixe um comentário

  1. Maravilha Inês! Belissimo testemunho. Vai de encontro com o que no momento estou aprendendo e vivenciando. É tempo de cuidar e, para isso, precisamos nos preparar e nos disponibilizar para essa missão. Obrigada

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  2. É interessante como somos guiados por Deus na construção do Reino!
    Mesmo com perdas irreparáveis, como a de um pai, o Pai Celestial sempre ampara quem pede por súplicas pelo fato de estar a sofrer!
    E uma forma de auxiliar nessa construção, começa primeiro no autoconhecimento, e assim, saber com os dons que o criador nos deu como poderemos ser útil!
    E como forma de melhorar essa edificação do Reino de Deus é vivendo em uma comunidade focada em Cristo, e dessa forma, animando os corações que apagaram-se por conta dos percausos da vida!

    Parabéns pelo belíssimo texto!

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