Encantar a Política (III)
Simone Furquim Guimarães
Vamos continuar trazendo aqui a reflexão bíblica a partir da proposta “Encantar a política”, lançada pela CNBB neste ano de eleição política. No seu capítulo terceiro, que trata justamente sobre “as causas do Evangelho”, o caderno trás como lema: Justiça e Paz se abraçarão (cf. Sl 85/87).
A busca pela justiça e paz é recorrente tanto no Primeiro como no Segundo Testamento; sendo que o Primeiro recorre ao Segundo para reforçar suas diretrizes sobre justiça como promotora da paz. Um texto que pode ilustrar a ligação entre justiça e paz no Primeiro Testamento é a carta atribuída ao apóstolo Tiago 3,18. Neste capítulo, o autor discorre sobre os frutos da sabedoria vinda de Deus, e termina com a solene afirmação: “O fruto da justiça semeia-se na paz para os que constroem a paz”. São Tiago se espelha no que dizia o profeta Isaías: “O fruto da justiça será a paz. O trabalho da justiça resultará em tranquilidade e segurança permanentes” (cf. Is 32,17).
Os dois textos revelam a justiça como a conduta humana justa em resposta à vontade de Deus. Quem constrói a paz está semeando os frutos da justiça, no sentido de fidelidade a este projeto de Deus. E qual é o projeto de Deus que já vimos desde o livro do Êxodo 3? É libertar os oprimidos, ajudar os necessitados, levantar os pobres, os excluídos, pois o desejo do Pai é que todos tenham vida, e vida em abundância (Jo 10,10). Este projeto foi realizado na pessoa de Jesus, durante sua vida pública, anunciando o Reino de justiça e paz, sobretudo para os empobrecidos/as de seu tempo.
É importante entender o significado bíblico de Paz. A Paz de Jesus tem o sentido do “Shalom” (em hebraico). É uma palavra muito rica, significa integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida plena, feliz, abundante (Jo 10,10). Mas a proposta da paz trazida por Jesus também é sinal de “espada” (Mt 10,34), ou seja, de perseguições para as comunidades, conforme vimos no Segundo Testamento, com os seguidores e seguidoras de Jesus que foram perseguidos, presos e assassinados por anunciar o Evangelho. E para nós, hoje, a paz de Jesus também costuma ser sinal de perseguição, uma vez que continuemos perseverantes em anunciar e viver o Evangelho e fazer a vontade do Pai, mesmo diante das tribulações promovidas pelo mundo.
Hoje, estamos sentido que o que mais faz falta neste mundo é a paz, sobretudo neste contexto da pandemia do covid-19; neste contexto da ganância voraz do sistema capitalista, que produz cada vez mais a fome e a miséria; neste contexto da ideologia extremista marcada pelos fundamentalismos dentro da esfera política, cultural, religiosa e inclusive na ciência; neste contexto de rompimento de relações afetivas entre as pessoas causadas pelas notícias faltas, pela cultura do ódio e pelas intolerâncias individuais e sociais.
Diante desse contexto, a missão da política é abraçar a justiça e a paz de Jesus, para ir refazendo os pedaços da vida, reconstruir as relações quebradas entre as pessoas. A política está comprometida inteiramente com essa missão, pois, como diz o Papa Francisco, “a virtude da caridade é o coração do espírito da política, pois é sempre um amor preferencial pelos últimos”.
É preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia o Shalom de Deus triunfe. Neste dia “amor e verdade se encontrarão, justiça e paz de abraçarão” (Sl 85,11).
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Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.