Ekklesia
Simone Furquim Guimarães
A leitura de hoje (Mt 18,1-5.10) é início da série de discursos de Jesus voltados para a comunidade cristã que é a nova igreja do povo de Deus (a ekklesia).
Os discípulos aproximaram-se de Jesus e lhe perguntaram: “Quem é o maior no Reino dos Céus?”. Jesus coloca uma criança no meio para ilustrar sua resposta, para dizer que o maior no Reino é o menor, é o pequenino.
A expressão “criança”, pode ser identificada com os pequenininhos (em grego, mikroi), que faz parte da categoria de pessoas excluídas da sociedade, como as mulheres e crianças que não contavam (Mt 14,21;15,38) na sociedade, eram desprezadas (Mt 18,10) e silenciadas (Mt 21,15-16). Também com o povo humilhado, excluído, pecador, sofredor. No final desta narrativa (Mt 18, 12-14), Jesus apresenta a parábola do homem que perdeu uma de suas cem ovelhas. Ele refere-se aos pequenininhos que são desgarrados (os pecadores). Mateus faz referência à sua própria pessoa, porque Jesus foi atrás dele, pecador, publicano e o uniu às demais “ovelhas” (Mt 9,9).
A missão da igreja (ekklesia) é tornar-se pequeno e receber o pequenininho, ou seja, assumir suas responsabilidades com humildade e espírito de serviço e acolher os pequenos. Podemos aqui recolher um série de ditos de Jesus sobre esse tema: “Quem acolhe a um destes pequenos em meu nome é a mim que acolhe” (Mc 9,37). Quem dá um copo de água a um destes pequenos não perderá a sua recompensa (Mt 10,42). Não desprezeis nenhum desses pequeninos (Mt 18,10). Não é da vontade do Pai que está nos céus, que um destes pequeninos se perca (Mt 18,14). E no julgamento final os justos vão ser recebidos porque deram de comer a “um destes mais pequeninos” (Mt 25,40).
Neste discurso, Jesus amaldiçoa a mão, o pé e os olhos que causam escândalo a um destes pequeninos (Mt 18,6-9). São imagens simbólicas: a mão rouba; o pé esmaga e oprime os que estão debaixo; e o olho é o conhecimento que cobiça a partir de seus próprios interesses.
Não buscamos conhecer a Palavra de Deus, a Bíblia, com vistas a nos tornar “doutores” ou líderes importantes que vislumbram o poder, que cobiça as riquezas, como os sacerdotes do templo que cobram impostos para suas regalias; como os doutores da Lei que excluem as pessoas em nome de Deus. Estes causam escândalo, pois desprezam os “eleitos do Pai”, ou seja, os “pequenininhos”.
A igreja não pode causar “escândalo”: ser causa de afastamento das “ovelhas”. Pelo contrário, a igreja deve estar preocupada é de reunir todas elas, independente de ser “santa” ou “pecadora”. Por isso, Jesus nos provoca com essa parábola. A alegria imensa do Pai é de encontrar e acolher a ovelha desgarrada e perdida (o pecador). A vontade do Pai é que nenhum destes pequenininhos se perca (v.14). Isto quer dizer que o problema não é o pecador. O problema é deixá-lo desgarrado.
O pecador, o pequenininho, a criança deve ser colocado no meio. Deve ser a preocupação central da igreja. A preocupação central da igreja não é com os impostos, o culto, o seguimento de doutrinas e regras.
O papa Francisco, em ocasião de falar para religiosos, lembrou que a missão da igreja é o trabalho gratuito, é estar a serviço do próximo e não pode exigir promoção pessoal. Quando uma liderança entra na “carreira” começa a adoecer de “Alzheimer espiritual”. Ou seja, esquece de que o essencial da missão cristã é doar a vida pelo irmão, é estar a serviço do próximo.
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Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.