Compreendeis o que acabo de fazer?

Simone Furquim Guimarães

Jo 13,1-15

Semanas atrás numa quinta-feira santa, a igreja dedicou em sua liturgia o memorial do lava pés (Jo 13,1-15); ali, Jesus lavou os pés dos discípulos. E depois de ter lavado os pés, Jesus disse:

Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.

Jesus subverteu a ordem existente, onde estabelece que é o escravo que deve lavar os pés de seu senhor. Jesus, como mestre e senhor se coloca na posição de escravo, ele esteve a serviço dos marginalizados de seu tempo.

Hoje, estamos longe de compreender o gesto de Jesus. Hoje é o dia do trabalhador e trabalhadora. Há 500 anos, poderíamos dizer que era o dia do escravo e da escrava. Mas será que não estamos vivendo um processo de regressão quando apontamos para as leis novas que surgiram para tirar os direitos dos trabalhadores?

Diante dessa pandemia, o aumento do desemprego cresceu vertiginosamente. Os desempregados, que são trabalhadores, não têm a quem recorrer. O modelo econômico vigente em nossa sociedade continua a pregar a regra de que o patrão não pode ter prejuízo. E o patrão é o deus mercado. Este não pode ter prejuízo. A ele todos nós devemos fazer sacrifícios. A catequese que nos é ensinada em nome do deus mercado é que devemos sempre fazer sacrifícios ou, como dizem, “cortando na carne” os direitos dos trabalhadores. A consequência desses sacrifícios é que as autoridades trabalham para esse deus mercado, não podem tirar nada que abala seus privilégios.

Bilhões de dólares de reserva, bilhões depositados no Banco Central que poderiam, se bem utilizados, amenizar os sofrimentos de tantos e tantas abandonadas. Por outro lado, prevalece nas autoridades públicas e em quase toda mídia o dogma de que os 1% dos mais ricos devem continuar sem contribuir com as coletividades. Consequência disso é que recai sobre os ombros dos trabalhadores e dos pequenos empresários os custos da pandemia.

É escandaloso pensar que num país que a grande maioria é cristã, pouco se faz para lavar os pés de tantos com pés descalços dos direitos ao trabalho, particularmente dos que transportam alimentos e não tem o que comer, como se vê na triste realidade dos trabalhadores de aplicativos.

Lamentavelmente, em nossa sociedade, muitas de nossas autoridades, preocupam-se mais com os pés bem calçados de uma minoria privilegiada que quase sempre se sentam nos bancos de muitas igrejas e sentam-se mais perto do altar do que com os que ficam à margem e às vezes nos umbrais das igrejas.

Ao lavar os pés, Jesus quer deixar bem claro, que todo sistema que está na posição de poder (reis, governantes, bancos, grandes empresas etc.), devem estar a serviço para que não haja mais pobres entre nós. Para Jesus, quanto maior o poder, maior o serviço.

Ele está a nos perguntar: “Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer?”.

Ouça no Podcast Ignatiana


Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

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