Trabalho, justiça e dignidade

Simone Furquim Guimarães

O povo de Deus se organizava de diversas formas para lutar por um mundo do trabalho mais justo. Recordemos a luta por libertação do trabalho escravo no Egito; a função do movimento profético denunciando os reis que exploravam o trabalho através de impostos pesados, do salário e dos trabalhos forçados. Nessa situação, os profetas são a memória do povo. Lembram que Deus é o Deus libertador que tirou o povo do Egito, que exige que seu povo viva como povo libertador: ninguém tem o direito de dominar e explorar. O profeta Isaías denuncia e anuncia em nome de Deus:

Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar justiça ao fraco.

Is 10,1-2

Atualizando para nossos dias, essas são as leis que precarizam os direitos trabalhistas. Elas  são escritas apressadamente por aqueles que detêm o poder financeiro e negam a justiça ao trabalhador/ra. Resultado dessas leis se percebe no desrespeito do patrão com relação ao empregado. Em nome do lucro, o patrão passa por cima dos direitos do trabalhador, que são direitos que garantem a dignidade de sua vida.

No Novo Testamento, Jesus percebe o resultado dessa exploração. O texto da multiplicação dos pães, sobretudo no Evangelho de Lucas, narra a cena que Jesus vê diante de si: a multidão de pessoas famintas de pão, desoladas, sem acesso aos direitos fundamentais da pessoa humana. Os discípulos, que ainda pensam com a cabeça do sistema da época, ou seja, não entendiam como era possível alimentar toda aquela multidão, perguntam: “Como poderia aqui no deserto alguém saciar com pão toda essa gente?”. Não passa na cabeça dos discípulos outra possibilidade senão a de mandar o povo embora. Mas Jesus vê de um ponto diferente. Para ele, o importante é todas as pessoas terem acesso ao que é mais elementar para se ter vida. Jesus proclama a partilha como a lei máxima da economia. Assim, não haverá acumulação dos ricos em detrimento da exploração do salário e dos direitos dos pobres trabalhadores.

São Tiago aplica o ensinamento de Jesus numa situação bem concreta. São Tiago percebe que os ricos não vão ao encontro do trabalhador guiados pelo amor-justiça que quer seu bem e sua realização. Eles são guiados pela ganância que gera a morte do trabalhador:

Vocês, ricos: amontoam tesouros para os fins dos tempos. Vejam o salário dos trabalhadores retido por vocês. Esse salário clama, e os protestos dos cortadores chegaram ao ouvido do Senhor dos exércitos. Vocês tiveram na terra uma vida de conforto e luxo. Vocês condenaram e mataram o justo, e ele não conseguiu defender-se.

Tg 5,1-6

A denuncia de São Tiago ressoa nos tempos de hoje, tempo de pandemia, de aumento do desemprego e do desrespeito aos direitos trabalhistas diante de uma situação emergencial que requer isolamento e proteção da vida dos trabalhadores e trabalhadoras.

Como cristãos, ainda hoje temos muita dificuldade de viver o projeto de Jesus. Temos dificuldade em partilhar! Hoje, as empresas que não admitem perder lucro, não abrem a mão para defender a vida de seus empregados, são denunciadas por profetas, assim como São Tiago e o profeta Isaías.


Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

Imagem: Ligia de Medeiros — Azulejo dos cruzamentos

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