O Pão do Reino de Deus

Joana Eleuthério

Rezando os textos evangélicos destes últimos dias, veio-me a intuição de que mais feliz é aquele que leva as suas irmãs e os seus irmãos para, com ele, comer o Pão do Reino de Deus.

No domingo, tivemos alguns versículos do belíssimo Sermão da Montanha, que nos apresenta o programa de Jesus para a nossa vida. Gostei muito da interpretação atualizada de José Antônio Pagola [1], que inicia seu texto dizendo-nos: “Quem se aproxima sempre de novo das bem-aventuranças de Jesus percebe que seu conteúdo é inesgotável. Sempre surgem novas ressonâncias. Sempre encontramos nelas uma luz diferente para o momento que estamos vivendo. Assim, ‘ressoam’ hoje para mim as palavras de Jesus.” Então ele faz, uma bela atualização do texto original.

No entanto, a minha oração neste início de semana, teve como foco principal os texto evangélicos da segunda e da terça-feira, que correspondem ao evangelho de Lucas 14, 12-24 e trazem o tema do Banquete e dos convidados preferenciais segundo o projeto de Jesus, acolhendo a vontade do Pai.

No texto evangélico da segunda-feira (Lucas 14, 12-14), Jesus nos fala que devemos convidar para o banquete, não os nossos irmãos ou outros parentes, nem os vizinhos ricos. Todos eles poderiam nos retribuir, como vemos acontecer no costumeiro ‘toma lá dá cá’ dos nossos relacionamentos cotidianos. E Jesus então diz quem devemos convidar: ‘os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos e então serás feliz!’ Esses convidados não terão como nos retribuir, mas Jesus nos diz que a nossa recompensa estará na ‘ressurreição dos justos’ (João 17,24).

O segundo texto, de terça-feira (Lucas 14, 15-24), é a continuação do primeiro, prossegue quando um dos presentes daquele banquete diz para Jesus: Feliz aquele que come o pão no Reino de Deus!’ Provavelmente um fariseu que se julgava justo e predestinado ao banquete do Reino, no final dos tempos. Jesus responde àquela observação com uma parábola (Lucas 14,16-24), sem dar nenhuma explicação – uma metáfora para falar dos convidados preferenciais para o banquete do Reino de Deus e para tomarem parte de Sua glória, junto do Pai.

Um rico senhor havia preparado um grande e luxuoso banquete para seus numerosos amigos que, uma vez convidados, confirmaram suas presenças. Então todas as providências foram tomadas para o grande banquete: vinho da melhor qualidade, carnes de animais e aves, peixes e boas sobremesas. No dia da festa, como era costume naquele tempo, o anfitrião mandou seus empregados avisar a todos os convivas que tudo estava pronto esperando por eles para iniciarem a festa. Qual não foi a desagradável surpresa porque todos eles se viam comprometidos com diferentes ‘obrigações’ – cheios de afazeres, preocupações, propriedades e inquietações da vida diária, dando pouco ou nenhum valor ao convite recebido. Esses primeiros convidados são pessoas que se perdem no emaranhado diário de pequenas dificuldades e intempéries do cotidiano e não são capazes de saborear as graças e os dons que recebemos do Pai, que é puro amor e gratuidade misericordiosa. Quando os serviçais voltaram contando ao senhor que nenhum dos convidados foi capaz de honrar o convite e a respectiva confirmação de suas presenças, o Senhor lembrou-se daqueles que compareceriam ao banquete com muita alegria, liberdade e gratidão. Dessa maneira, mandou que os empregados saíssem depressa pelas praças e ruas da cidade, trazendo todos os pobres, aleijados, cegos e coxos que encontrassem. Assim foi feito, mais ainda sobraram lugares e o Senhor novamente ordenou aos seus servos que fossem pelas estradas e atalhos, e convencessem às pessoas que encontrassem a virem para o banquete ocupar todos os lugares que tinham sido preparados para eles para que a casa ficasse cheia de gente, como o dono da casa deseja.

A casa lotou e acredito que até tiveram de providenciar mais alguns lugares meio improvisados. Era muita gente mesmo e o Senhor sentiu-se feliz ao ver a felicidade daqueles convidados, que normalmente são os excluídos da nossa história, mas que na mais completa fragilidade, mostraram-se totalmente livres para atender o convite que lhes foi feito. São carentes de tudo, mas estão abertos à graça e à gratuidade do Senhor, que abriu a porta de sua casa para todas as filhas e todos os seus filhos que aceitassem o convite. Mas é como disse o Papa Francisco:

“… os que têm o próprio interesse não compreendem a gratuidade. São como o filho, que ficou em casa ao lado do pai quando o irmão mais novo foi embora, e depois de muito tempo volta pobre e o pai faz festa, e ele (o filho mais velho) não quer participar do banquete, não quer entrar naquela festa porque não entende: ‘Gastou todo o dinheiro, desperdiçou a herança com vícios, com pecados, e tu faz-lhe festa?’ — Eu que sou católico, pratico, vou à missa todos os domingos, cumpro os deveres, a mim nada?”.

É exatamente isso que costumamos ver todos os dias do nosso lado e, se não ficarmos atentos aos nossos pensamentos e julgamentos para permanecermos firmes em nossa decisão de seguir Jesus, o Filho Amado, também nós nos tornaremos incapazes de compreender e de sermos agradecidos frente à gratuidade do nosso Deus Pai, que é amor e hospitalidade incondicionais.

O Papa Francisco concluiu seu texto, dizendo: “É preciso olhar para o dono da casa que deseja que a sua morada se encha: ‘é tão amoroso que na sua gratuidade quer encher a casa’. E assim, peçamos ao Senhor que nos salve e não percamos a capacidade de nos sentir amados.”

Finalizando minha oração, trago mais um trechinho do texto do Pagola, citado acima: “Felizes os que têm espírito de pobre, os que sabem viver com pouco. Estes terão menos problemas, estarão mais atentos aos necessitados e viverão com mais liberdade. O dia em que chegarmos a entender isso, seremos mais humanos.”

Se quem está fazendo esta leitura orante do meu texto desejar, reze comigo: Meu bondoso Pai, você me convida todos os dias e a cada dia para participar da harmonia e das alegrias do Seu Reino. Que eu seja amorosa e saiba discernir as prioridades da minha vida e da minha missão para acolher esse convite generoso, fazendo-me solidária com os pobres, excluídos e deserdados deste mundo. Amém.


Joana Eleuthério é graduada em Letras. Servidora pública aposentada da Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal – Escola de Governo do Distrito Federal (EGOV).
Inaciana, avó e mãe, caminha pelas estradas de Jesus, de Santo Inácio e de Santa Teresa de Ávila, por onde tem se inserido na Comunidade do Centro Cultural Brasília (CCB/Jesuítas). Muito grata pela caminhada realizada até aqui.

Todos os textos de Joana [clique aqui]

[1] O conteúdo inesgotável das bem aventuranças. Revista O Pão Nosso de Cada Dia – Subsídio Catequético-Litúrgico Diário. Novembro/2019.

Imagem: En la Cena ecológica del Reino Cerezo Barredo

Espiritualidade cristã

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Caminhante sem nenhuma linearidade e com variados interesses – uma buscadora incansável.

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