O abraço de José de Anchieta
Osmar C. A. Ferreira
Este ensaio brota do meu encontro com o mural A Evangelização no Brasil, de Cláudio Pastro, de 1990. Uma obra de arte, que em sua sóbria complexidade nos olha, nos interpela e nos encoraja. O artista, pela via da beleza, nos propõe um percurso orante pela história da Igreja no Brasil, conduzindo-nos à gratidão e ao destemor. O painel é grande, percorre cinco séculos de luzes e sombras.

JOSÉ DE ANCHIETA se destaca na parte esquerda do afresco. Seus pés descalços tocam a base do painel, e acima de sua cabeça resplende um cocar azul. A figura de Anchieta emoldura-se pela Grande Cruz que abre o painel. O olhar do jesuíta dirige-se ao alto e adiante, sua face é jovem, abraça dois índios, como quem afaga todo o Brasil. Nesse abraço secular e eterno mergulho em grata contemplação.
Olhando os pés descalços de Anchieta, podemos recitar com Isaías:
Quão formosos são, sobre os montes,
os pés do que anuncia as boas novas,
que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem,
que faz ouvir a salvação …
Nesse caminhar, percorrendo o mesmo painel – mas também caminhando pela mesma Terra de Santa Cruz – encontraremos os pés de Dom Vital. Me parece que Pastro equilibra em sua iconografia as figuras fundacionais de uma Igreja com fisionomias brasileiras. Anchieta é o Apóstolo do Brasil; Vital é o mártir que despertará o sentido de colegialidade do episcopado brasileiro. Anchieta vem pelo Padroado; Vital rompe com a Coroa.
Ressoa em minha memória um fragmento da poesia de Antonio Machado:
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
[…]
Caminante no hay caminho
sino estelas en la mar.
O cocar azul é um esplendor, não de Anchieta; mas d’Aquele de quem ele é anunciador. É ostensório de um Pão Novo, de uma Palavra Nova. O cocar azul que emoldura uma pequena aldeia, associa-se cromaticamente, neste painel, ao manto azul da Senhora Aparecida, e à roupa da mulher negra, no século XX. O azul irmana três momentos associados aos “feitos dos humildes, dos últimos, que também são atores da história” (Papa Francisco). Do cocar revoam araras, e – pelas asas da imaginação – voam guarás; brota a flor da paixão, a flor do maracujá que Anchieta usou em sua catequese.
O olhar do jesuíta dirige-se ao alto e adiante. Pastro representou Anchieta com faces juvenis, deu-lhe o mesmo penteado de Tibiriçá e Caiubí a quem abraça, como quem afaga todo o Brasil. O artista representa o santo em sua jovial calidez. José, um jovem capaz de abraçar, com um carinho tão humano e uma ternura tão divina.

O painel de 8m x 2,5m está no hall do Auditório Rainha dos Apóstlos, na Vila Kostka, em Itaici, no município de Indaiatuba, São Paulo.
Osmar Ferreira é bibliotecário, membro da Comunidade de Vida Cristã (CVX).
Arte e Cultura Jesuítas Cláudio Pastro (1948-2016) Jesuítas José de Anchieta (1534-1597) Vila Kostka (Itaici - Indaiatuba - SP)
Arouck Visualizar tudo →
Nasci em Belém do Pará, moro em Brasília. Sou bibliotecário desde 1985.
O ensaio sobre Anchieta, baseado no mural de Pastore é conciso e delicado.
CurtirCurtir
Parabéns pelo texto e pelo trabalho artístico.
CurtirCurtir