Como percebo a visita de Deus em minha vida? — Lc 1,26-38

Simone Furquim Guimarães

Estamos na terceira semana do Advento, e a leitura de hoje (Lc 1,26-38) convida-nos a refletir sobre nosso engajamento na missão cristã.

O evangelista Lucas narra a visita do anjo Gabriel a Maria. Não se trata apenas de um acontecimento isolado, mas de um relato profundamente enraizado na tradição bíblica. Nos textos do Antigo Testamento, a visita do anjo frequentemente simboliza a própria visita de Deus. Para o povo da Bíblia, “visitar” significa a ação concreta de Deus na história, sobretudo nos momentos em que a fragilidade humana se manifesta de modo mais evidente.

Assim acontece, por exemplo, no livro do Êxodo (3,1-17), quando Deus visita Moisés na sarça ardente; e também nos relatos de mulheres estéreis que recebem a visita divina e se tornam portadoras de vida: Sara, mãe de Isaac (Gn 18,9-15), Ana, mãe de Samuel (1Sm 1,9-18), a mãe de Sansão (Jz 13,2-5) e, já no Novo Testamento, Isabel, prima de Maria e esposa de Zacarias.

Nos versículos 5 a 25 deste mesmo capítulo, Lucas narra a visita do anjo a Zacarias, sacerdote do Templo. É importante considerar o conjunto do capítulo, pois o evangelista estabelece um claro contraste entre as duas visitas. Zacarias duvida do poder de Deus e, por isso, fica mudo. Maria, ao contrário, mesmo sem compreender plenamente o mistério, confia e se coloca a serviço: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”.

Em seguida, Maria visita sua prima Isabel, levando em seu ventre o Filho de Deus. Desde o início, ela se apresenta como alguém que gera vida e se coloca a caminho do outro. Não é difícil perceber como Maria se torna uma educadora exemplar para Jesus, que mais tarde afirmará: “Não vim para ser servido, mas para servir” (cf. Mt 20,28). Os relatos bíblicos revelam que todos aqueles que foram visitados por Deus, por meio do anjo, receberam também uma missão: colocar-se a serviço da vida e do povo. Por isso, a Escritura repete com frequência: “Deus visitou o seu povo”.

No livro do Apocalipse, a figura da mulher que sofre as dores do parto e é perseguida representa, ao mesmo tempo, Maria, mãe de Jesus, e a comunidade cristã, a Igreja, que em sua fragilidade luta para gerar vida nova em meio às adversidades. Desde os primórdios do cristianismo, Maria aparece, assim, como imagem da Igreja. O “sim” de Maria torna-se, portanto, o “sim” da Igreja quando esta se coloca a serviço do Reino de Deus.

Assumir e engajar-se no serviço do Reino nem sempre é fácil; muitas vezes significa enfrentar desafios e perseguições. Nos últimos dias, por exemplo, o padre Júlio Lancellotti – conhecido por dizer “sim” à missão de cuidar das ovelhas perdidas e excluídas, por ser presença e visita de Deus junto ao povo em situação de rua – tem sofrido ataques e perseguições por meio de fake news, promovidas por setores da extrema direita política e religiosa. Para sua própria proteção, precisou inclusive se afastar das redes sociais. Seu testemunho recorda que dizer “sim” ao Evangelho pode ter um alto custo, mas é caminho fiel de seguimento a Jesus.

Que este tempo do Advento seja, para todos nós, um período propício de avaliação da nossa caminhada como cristãos e cristãs. Perguntemo-nos: como percebo a visita de Deus em minha vida? Tenho sido sinal dessa visita na vida dos outros? Que, a exemplo de Maria, possamos dizer “sim” ao projeto de Deus e colaborar na construção do seu Reino. Amém, e Feliz Natal para todos e todas!


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Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).


Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.

Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.

Ano A — Sábado. 3ª Semana do Advento

Palavra de Deus Simone Furquim Guimarães

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

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