A montanha que pariu ratos e também os infectou com vírus muito transmissível
Guilherme C. Delgado
Parturient montes, nascetur ridiculus mus
Horacio
A situação que se vive depois da entrada em vigor (06/08/2025) das tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos é surpreendente, por vários aspectos. Parece, guardadas as proporções, a reprodução da fábula popular da “montanha que pariu o rato”, depois de estrepitoso ribombar, que a muitos pareceu prenúncio de catástrofe iminente ao estilo do terremoto extremo. Por sinal, é este o estado de espírito que o Presidente norte-americano pretende transmitir, tentando ‘a priori’ sugerir concessões do governo brasileiro; e ao mesmo tempo apressando-se em anunciar outras restrições ao comércio exterior brasileiro (com a Rússia, por exemplo).
Fiquemos por ora com a situação criada a partir de 06/07/2025. Do ponto de vista estritamente macroeconômico o impacto das tarifas decretadas, depois da desidratação de cerca de 40% das mercadorias excluídas do chamado ‘tarifaço’, afetaria segundo as previsões correntes entre 20 a 25 bilhões de dólares das exportações brasileiras em 2025, portanto, entre 6% e 7% das exportações totais brasileiras (no biênio 2023/2024 é de cerca de 340,0 bilhões de dólares a exportação media anual do País).
Considerando-se que no ano civil há possibilidade de algum desvio de comércio – exportações restringidas aos EUA, que se destinariam a outros países-, principalmente China e Índia; podemos sim, concluir que o impacto líquido às exportações seria na pior das hipóteses da ordem de 5% a menos; e ainda contando-se com política interna compensatória aos setores atingidos, como de fato a gestão Lula-Haddad vem realizando, o fenômeno do chamado ‘tarifaço’ precisa ser lido de outra maneira.
Portanto, do ponto de vista macroeconômico o que a montanha pariu foi um rato, mas que teve um vírus inoculado previamente no formato de paranóia do medo – a ameaça de que outros ratos semelhantes possam ser gerados em seqüência (efeito contaminação) pela mesma montanha. Mas se observarmos que esta mesma montanha segue pelo mundo afora parindo ratos semelhantes – (União Européia, Índia, Japão, Coréia etc,), cada pacote tarifário se soma no formato de tensão inflacionária sobre a economia norte-americana, de maneira que os efeitos cumulativos da contaminação transmitidos afetam a economia norte-americana em primeiro lugar, enquanto que cada um dos países tarifados vai se adaptando em termos comerciais, sem carregar imediatamente os efeitos gerais.
Por outro lado, e para ficar especificamente no caso brasileiro, se o terremoto econômico oferecido como ameaça, não é bem aquilo que se entregou, suas condicionalidades político-ideológicas dirigidas ao STF e particularmente ao Ministro Alexandre de Moraes estão se revelando ainda mais inócuas, que as ameaças econômicas. Nenhum Ministro do STF, nem o Procurador Geral da República estão agindo diferente daquilo que já se configurou nos lances pretéritos do processo sobre tentativa de golpe de Estado, capitaneada pelo Ex-Presidente e que terá julgamento final ao que tudo indica no próximo mês de setembro.
O único efeito de transmissão do vírus do medo, por sinal fortemente manipulado pelo partido do Ex-Presidente (PL) é a tentativa de produção pelo Congresso na linha da auto-anistia. Mas essa mesma legislação pelo teor e alcance como vem sendo concebida, associa-se claramente à desestruturação do Estado Democrático de Direito (1988), devendo, se aprovada pelo Congresso, ser considerada inconstitucional pelo STF, por atropelar cláusulas pétreas da CF de 1988.
Finalmente, precisamos claramente aqui separar o joio do trigo no momento oportuno. Não há nenhum terremoto econômico instalado, nem invasão retórica à soberania do Judiciário, que não possam ser respondidas pelas instituições brasileiras com eficácia e resguardo a soberania real. O que temos pela frente simbolicamente e na linguagem deste artigo são – ratos infectados paridos pela montanha-, clamando por resposta oportuna, justa e verdadeira.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem: Carmela Gross. A Montanha, 1970. Enciclopédia Itaú Cultural
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