Duas controvérsias em pauta
Guilherme C. Delgado
Duas controvérsias em pauta: IOF (interna) e da intromissão do Presidente Trump no STF
A conjuntura política continua dominada por temas econômicos, mas que são políticos em essência; de política interna no caso específico do Decreto presidencial sobre majoração de alíquotas do IOF, alvejado pelo Congresso; e de ilegítima intromissão à soberania nacional no caso da carta de Trump ao Presidente Lula. Esta, a pretexto de condenar julgamentos do STF, sanciona o Brasil com tarifas comerciais 50% mais elevadas para todos os produtos brasileiros.
O primeiro tema é bem mais simples para resolver no plano jurídico, no dizer do Ministro Dino do STF, não levaria mais que sete minutos. Até leigos em matéria de competência institucional podem ler e entender o que está explícito no Art. 153 da Constituição Federal, cujo parágrafo único afirma que “ é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”; sendo que o item V trata especificamente de “operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários”, que é o caso do IOF.
Ora, se de ponto de vista jurídico salta aos olhos no caso específico, que o Congresso não tem competência para revogar um Decreto explìcitamente fundamentado, sendo o STF o ator institucional com competência constitucional para se pronunciar; preferiu o Ministro Alexandre de Moraes chamar as partes à conciliação, tema que ora se desenrola com data marcada para desfecho decisivo (15 de julho de 2025).
O Decreto sobre o IOF do Executivo e o Decreto Legislativo que o revogou, estão ambos suspensos até que se encontre compromisso das partes, que, diga-se de passagem, estão em desencontro velado ou ostensivo desde a proposta de Reforma Tributária do atual governo. Esta se inicia no primeiro semestre de 2023 pela fase dos tributos sobre o consumo (Imposto sobre Bens e Serviços e Contribuição sobre Bens e Serviços); teria que tratar em uma segunda fase dos tributos sobre a renda e a riqueza; que ficaram postergados ou omitidos por falta de apoio parlamentar, problema que está na origem da atual controvérsia do IOF. Mas infelizmente não há condições no momento de aprofundar este tema. Na conjuntura simultânea emerge a segunda controvérsia, clamando por esclarecimentos.
Por outro lado, a segunda controvérsia é mais grave, porque envolve autoridade externa realizando ostensivamente pressão ou arbitragem ilegítima sobre o Poder Judiciário brasileiro, invocando os processos em julgamento pelo STF do ex-Presidente Bolsonaro; e outro já julgado sobre o alcance do poder das chamadas ‘Big Techs’, com pretensão de funcionar no Brasil à margem do controle judiciário. Mas há quem interprete que as alegações contidas na carta do Presidente Trump incomodam menos que a reunião dos BRICs no Brasil e principalmente suas menções futuristas para criação em longo prazo de moeda padrão internacional às transações do Bloco.
Mas o conteúdo, a forma e a linguagem da referida carta são absolutamente inéditas em relações internacionais, a ponto do Ex Ministro e atual assessor internacional Celso Amorim afirmar que em 60 anos de vida diplomática nunca ter visto coisa parecida. Invocam arbitragem do Estado norte-americano sobre o território brasileiro, sob pena de sanções econômicas já declaradas, que seriam agravadas em caso de reação simétrica. E aquilo que até então era praticado pelo mandatário norte-americano na forma de ameaças orais, agora vira ameaça por escrito e carta protocolar.
Por sua vez, a prática já consumada de tarifa exorbitante ou sua elevação ainda a maior, contra qualquer reação às exportações norte-americanas para o Brasil, revela sintomas claros de poder imperial em franca decadência. O temor maior é de erosão da moeda-padrão internacional do dólar, cujo declínio se deve aos excessos de arbítrio político combinados com dependência econômica do Estado norte-americano. E isto a carta de Trump a Lula somente confirma; talvez até acelerando processos, que pela dinâmica das relações normais levasse muito mais tempo. Neste sentido o próprio Presidente Lula assim se expressou no discurso final dos BRICS, quando acenou para o longo prazo à adoção de nova moeda internacional do Bloco, ficando no presente configurado o uso regular do dólar. Talvez este presente venha se encurtando velozmente pela conduta caótica do Estado arbitral.
Finalmente, pode-se interpretar que as duas controvérsias brevemente tratadas neste texto têm ponto em comum de convergência no plano político brasileiro: pelas reações já suscitadas estariam funcionando como duplo tiro nos pés da extrema direita brasileira; no primeiro caso detonado pela maioria do Congresso e no segundo caso por iniciativa externa com evidentes digitais da família Bolsonaro.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem: Gerda Brentani (1908-1999). Microscópio, 1974. Enciclopédia Itaú Cultural
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