Descontos indevidos no INSS

A questão dos descontos indevidos no INSS
um banho de desinformação piscando ao escândalo

Passado o período que vai da morte do Papa Francisco ao Conclave e escolha do novo Papa Leão XIV, a mídia em geral volta com muita frequência à cobertura do caso dos descontos indevidos de benefícios previdenciários pagos pelo INSS. Mas o faz, mesmo depois de 10 dias  da primeira informação oficial de origem  na Polícia Federal e  Controladoria Geral da União (CGU), dando-nos um banho de desinformação, que desafia ostensivamente o fato jornalístico. Isto fica de certa forma ‘compensado’ nas entrelinhas pela sugestão nada disfarçada, na linha do escândalo de corrupção ao estilo “Lava-a-jato”.

O cuidado profissional com os fatos originalmente denunciados pela Polícia Federal, diga-se de passagem, com certo grau de imprecisão, envolveria genericamente associações e sindicatos rurais e urbanos com participação em contribuições cobradas dos aposentados e pensionistas e pagas pelo INSS, que estariam caracterizadas pelo critério do desconto indevido em razão do não consentimento dos titulares dos benefícios previdenciário afetados.

Ora, diante da denúncia original cabem questões de esclarecimento factual mais ou menos óbvias, que a própria denúncia não traz; mas que a boa informação pública precisa apurar: quais e quantos são os benefícios indevidamente descontados? Desde quando? Em que consiste a irregularidade apurada dessas apropriações? Que providências reparadoras precisariam ser adotadas, seja para corrigir a distorção apurada, seja para ressarcir os valores indevidamente apropriados por terceiros, aparentemente em conluio com setores identificáveis dentro do INSS?

Observe-se que sem ir direto aos fatos, mas simplesmente apelando às suposições do crime indeterminado; leva-se ao desassossego cerca 60,0 milhões de segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), além dos 40,0 milhões de titulares de benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS mensalmente; que com suas famílias constituem um público muito numeroso credor de informação verdadeira.

Para não dizer que não houve tentativa de informação jornalística em resposta às questões acima colocadas, devo reconhecer que li no jornal “O Estado de São Paulo” do domingo 04/05 reportagem com destaque de primeira página em que se identifica 67% dos ‘descontos indevidos’ vinculados à Previdência Rural e 33 % à Previdência Urbana, ambas contidas no RGPS e geridas pelo INSS. Ao mesmo tempo se faz a ligação da clientela rural à CONTAG, enquanto que na área urbana são genericamente identificadas – associações e entidades sindicais envolvidas.

Alguma informação há na matéria referida sobre associações não sindicais, que praticaram recentemente descontos exagerados – 50% ou mais do valor dos benefícios previdenciários-; mas os números, valores e responsáveis pelos benefícios indevidos não ficam claros, deixando-se na sombra a presumível responsabilidade de uma entidade como a CONTAG, coordenadora de 27 Federações Estaduais de Trabalhadores Rurais, que por sua vez abrange cerca de 3.800  sindicatos de trabalhadores rurais em todo o Brasil.

Mais uma vez defrontamo-nos aqui com lacuna de informação, que avalio seja por desconhecimento, porque não me parece à reportagem citada conduta de má fé. A CONTAG, criada em dezembro de 1963 ao amparo do Estatuto do Trabalhador Rural é legítima entidade confederativa do sistema sindical rural; e como tal admitida desde 1991- (Lei nº 8.213/91 – de custeio e benefícios da Previdência Social), à condição de entidade legítima a acordos de cooperação técnica com o INSS, podendo receber até 2% dos benefícios rurais concedidos aos aposentados que assim optarem. O resultado desta receita é repartido à CONTAG, às Federações e Sindicatos rurais, sendo estes últimos atualmente credores de 75% da receita vinculada.

Por outro lado, ao contrario daquilo que se poderia esperar, o bolo contributivo atribuído ao sistema CONTAG vem caindo fortemente desde os anos 90. Em 1999 (segundo pesquisa do IPEA, coordenada pelo autor deste artigo e publicada em 2003,2- edição), a participação dos Sindicatos Rurais nos descontos previdenciário é de cerca de 36% do total dos benefícios rurais (Pesquisa referida – p. 87); enquanto que em 2025 tal participação cai a 12 %  ou seja 1, 246 milhões de benefícios descontados, segundo dado reconhecido pela CONTAG, dos pouco mais de 10,0 milhões de benefícios pagos em 2024 ( dado do Boletim Estatístico da Previdência Social).

Há certamente associada à situação descrita uma grande perda da cobertura sindical vinculada à contribuição dos aposentados, devendo-se lembrar à grande mídia que desde 2011, portanto há mais de 14 anos, surgiu a CONAFER (Confederação Nacional de Agricultores Familiares), independente da CONTAG, que também é admitida no INSS nos seus Acordos de Cooperação Técnica.

Finalmente, para não alongar em demasia este artigo, o alerta maior que precisa ser feito na questão dos ‘descontos indevidos’ é para a necessidade da informação esclarecedora, evitando-se a distorção maior neste caso que envolve tanta gente simples – a especulação jornalística, seja por desinformação temática, seja por preferência ideológica explícita. Chega de guerra de versões, quando há fatos relevantes a esclarecer.


Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Imagem: Alice Brill. Abstrato, 1977. ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obras/89389-abstrato.

Economia Guilherme Delgado Política

Ignatiana Visualizar tudo →

IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

Deixe um comentário