O Plano-Safra Agropecuário e a questão ecológica brasileira
Guilherme C. Delgado
O Presidente Lula anunciou em 9 de julho do corrente o Plano-Safra do ano agrícola 2024/2025, que a Senadora Janaína Farias (PT-CE) resumiu com didatismo em pronunciamento no Senado Federal no mesmo dia: 475,0 bilhões em recursos de crédito rural (de origem em fundos públicos monetários e fiscais – observação do autor deste artigo), dos quais 400,0 bihões paa o denominado Agro e 75,0 bilhões para a agricultura familiar. Mas para o primeiro setor – AGRO-, deve-se acrescentar 108 bilhões financiados pela Letras de Crédito do Agronegócio, com captação de origem privada dentro do mercado financeiro. Portanto, o Plano-Safra total em recursos de crédito rural é de 583,0 bilhões de reais, dos quais 81,4% (475,0 bilhões) provêm de Fundos Públicos e estão sujeitos a subsídio de juros, pagos pelo Tesouro, além de outros recursos subsidiados pelo Tesouro, como sejam os recursos do Seguro de Crédito (PROAGRO) e o aporte de recursos orçamentários da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
Esses Planos-Safra funcionam há 60 anos no atual formato (crédito subsidiado, PROAGRO idem e PGPM), em geral mais generosos em determinados ciclos econômicos, a exemplo do atual da Economia do Agronegócio (anos 2000), mas não são os únicos incentivos das finanças públicas ao sistema empresarial privado. Pois continuamente há subsídios tributários volumosos na exportação de ‘commodities’(isenção integral), do Imposto de Renda (alíquotas ultra reduzidas para CPfs e CNPJs rurais) e Imposto Territorial Rural insignificante; de que ora não se cogita alterar na Reforma tributária em curso.
Em resumo, aportes e subvenções fiscais e monetárias contínuas e volumosas são concedidos, e eventualmente renovados por ocasião das falhas em pagamento de débitos, mediantes generosos REFIS (refinanciamento de débitos fiscais), sem que se conheçam as contrapartidas em termos de benefícios públicos. E estas tampouco são esclarecidas, cobradas ou exigidas dos beneficiários desse estilo de política, em nome de uma hegemonia de economia política aparentemente autossuficiente.
Mas é importante dizer algo sobre a conexão anunciada no título do artigo –‘O plano- Safra e a Questão Ecológica’, que poderia conter verdadeiro fator de legitimação aos recursos públicos dirigidos ao sistema agropecuário.
Por outro lado, há evidências factuais robustas, corroboradas empiricamente, de que o espaço rural brasileiro (99,75% do território, segundo o conceito do IBGE, medido no Censo Agropecuário de 2006 – p. 100), é no presente o principal vilão da emissão de dióxido de carbono na atmosfera. As duas últimas medições do IPCC (sigla em inglês do comitê internacional sobre as mudanças climáticas da ONU), com base em dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) atribuem ao espaço rural brasileiro em 2022 e 2023 respectivamente 79% e 75% das emissões totais de gases do efeito estufa geradas pelo Brasil, destacando que 50% dessas emissões provêm de queimadas rurais. E nessas informações o Brasil já é o 6º maior emissor mundial.
Os dados do IPCC são um alerta grave, a que poderíamos incorporar muitos outros, que não aparecem nesses dados: destruição de espécies, contaminação e exaustão de bacias hidrográficas, riscos epidêmicos; e agora cada vez mais ostensivas – as catástrofes climáticas-, que somente neste ano de 2024 já produziram dois mega e quase simultâneos eventos: enchentes no Rio Grande do Sul e secas no Pantanal, seguidas de queimadas de grandes proporções.
Tais eventos catastróficos não são obra do acaso ou como se dizia no passado – coisas atribuíveis a São Pedro. Ora, quem utiliza o espaço rural para fins produtivos imediatos ou para ampliação física do espaço agropecuário, tendo em vista expansão futura (mercado de terras), obviamente que pode ter responsabilidades sobre os dados da degradação ambiental, que não param de crescer. Não esqueçamos de que há uma dinâmica que move esses processos produtivos e expansivos do mercado de terras, de estrita vinculação aos mercados autorregulados. Isto afasta a regulação ecológica do espaço rural, ainda mais quando é regiamente premiada por recursos públicos.
Nem o Plano Safra, nem o conjunto da política agrícola e fundiária incidentes sobre os espaços rurais vinculam seus generosos recursos públicos a políticas objetivas de transição ecológica ou mesmo às travas constitucionais relativas à função social e ambiental da propriedade fundiária (Art. 186 da C.F.).
Por último, é bom lembrar também, que ao lado da expansão física acelerada das ‘commodities’ rurais para exportação -( produção física de grãos ampliada de 81,0 milhões de toneladas no ano 2000 para 323,0 milhões em 2023 – cerca de 300%), com predominância absoluta de soja e milho como matérias primas para rações mundiais; o sistema de agronegócio vem também expandindo fisicamente o mercado de terra. E nesse processo são incorporadas terras públicas, previamente degradadas por queimadas programadas, sem que a política fundiária de Estado aplique as regras constitucionais legítimas de gestão do patrimônio público contra o duplo crime – grilagem de terras e degradação prévia por incêndios florestais.
Em síntese, com a combinação atual de política agrícola e agrária sem resposta responsável à Questão Ecológica, o espaço rural brasileiro transforma-se em nó górdio da Questão; que, contudo, teria solução política em outro arranjo de economia política em que a transição ecológica viesse ocupar o lugar central que lhe compete na atual quadra histórica.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem: José Antônio da Silva (1909-1996). Campos Plantados com Bananeiras, 1956.
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