Taxação nos Paraísos Fiscais: Haddad vai ao Papa em busca de apoio

Reforma Tributária (do Min. Haddad) vai ao Papa
em busca de apoio à taxação nos Paraísos Fiscais

Quem leu as notícias da imprensa brasileira sobre a visita do Ministro da Fazenda Fernando Haddad ao Papa Francisco na quinta-feira 06 de junho, provavelmente não entendeu nada dos objetivos da visita, que tampouco foi questionada aos interlocutores pela mídia, antes ou depois do evento. E no Brasil consegui apenas ler previamente uma matéria de excelente nível, publicada no “Correio Braziliense” de 1º de junho de 2024 (pag. 7), de autoria da jornalista Edla Lula: “Haddad vai ao Papa pela taxação dos ricos”.

A cobertura da visita destacou a entrega de presente simbólica do Min. Haddad ao Papa Francisco – um pote de chimarrão, e nada mais indagaram sobre a visita, conexões prováveis com a Reforma Tributária brasileira em curso ou com as ideias do Papa Francisco sobre taxação da riqueza nos Parísos Fiscais (Cf. Documento do Vaticano – “Considerações Éticas para o Discernimento sobre alguns aspectos do atual Sistema Financeiro” maio de 2018).

Por outro lado, se a grande mídia quer ignorar o pensamento social da Igreja Católica sobre o tema, não poderá da mesma forma ignorar, que teremos em novembro no Brasil reunião anual do G-20, presidida neste ano de 2024 pelo Presidente Lula, ocasião em que o tema da taxação da riqueza financeira depositada nos Paraísos Fiscais retorna à agenda. E nesse particular é importante relembrar alguns fatos recentes das tratativas G-7 e G-20 que a desmemoriada cobertura jornalística econômica brasileira teima em ignorar.

Em junho de 2021 houve acordo preliminar do G-7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália e Canadá), para estabelecer certo controle sobre os paraísos fiscais. Tal acordo preliminar, quase nada divulgado no Brasil de então, cujos Ministro da Fazenda (Paulo Guedes) e Presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto) foram indicados pelo consórcio jornalístico denominado “Panamá Papers” (outubro de 2021) como detentores de empreendimentos financeiros no paraíso das Ilhas Virgens Britânicas. Mas voltemos aos acordos do G-7 de junho de 2021, à época patrocinados pelo recém empossado Presidente Biden. Tal acordo financeiro global consistiu em proposta ao G-20 em articulação com a OCDE para regulamentarem uma tributação mínima global sobre a renda, com taxa básica de 21%, depois reduzida para 15,%, a ser aplicada sobre as pessoas jurídicas internacionais (empresas multinacionais), que passariam a ter obrigação de produzir declaração de renda multinacional consolidada para o espaço de operação da empresa. E nessa declaração obrigatória sobre rendimentos depositados nos Paraísos Fiscais aplicar-se-ia a taxa mínima (pactuada no G-20) sobre todos os lucros ali declarados, devolvendo-se aos países credores das operações lucrativas na origem as diferenças de créditos tributários evadidas, por conta das baixíssimas tributações vigentes nos espaços de “Paraíso”.

Diga-se de passagem, esse Acordo original do G-7, de junho de 2021, vem sendo desde então desidratado no que diz respeito à taxa mínima de tributação sobre a renda, a ser acordada; mas o tema não morreu e formalmente deve retornar à reunião do G-20 de 2024.

É nesse contexto que precisa ser lida a visita do Ministro Haddad ao Papa Francisco; e nunca de mero turismo religioso, como aparentemente querem nos fazer crer. E aqui é preciso destacar o óbvio: o Ministro é autor de uma Reforma Tributária (em curso), que promete desde o início uma segunda etapa de taxação sobre a renda e a riqueza; enquanto o Papa Francisco e coautor principal das “Considerações Éticas … sobre alguns aspectos do atual  Sistema Financeiro”, cuja anomalia principal apontada é precisamente a evasão fiscal e cambial vigentes nos Paraísos Fiscais, a ser corrigida.

Não é preciso ser economista para entender a lógica do segredo que rege as relações privadas dos operadores financeiros e das suas respectivas casas bancárias operantes nos espaços de Paraíso. Mas tampouco escapa a qualquer analista sério de finanças públicas, que reside nessa brecha fiscal parte ponderável dos desequilíbrios fiscais contemporâneos, particularmente no Brasil.

Para concluir, é preciso destacar aspectos relevantes da ética da comunicação e do Estado Democrático. Não é possível fazer vistas grossas ou fingir desentendimento sobre questões éticas, econômicas e midiáticas essenciais à democracia, como seja a defesa da liberdade de informação aos leitores, titulares primeiros da liberdade de imprensa. Sem este primado, a decantada liberdade de imprensa dos proprietários de jornal não prosperará, pelo inevitável defeito da desinformação programada.


Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Imagem: ATELIÊ 15 [Instagram]

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