Comunicação social: do esclarecimento à manipulação ideológica na conjuntura
Guilherme C. Delgado
A conjuntura política e econômica deste mês de março está prenhe de fatos e situações relevantes, que ao passar pelo crivo da comunicação social, ganham novos contornos sobre o esclarecimento das situações em apreço.
Mas o público tem direito ao conhecimento do que se passa, de forma verdadeira, para livre discernimento e julgamento ético daquilo que lhe é comunicado.
E com preocupante frequência, o que lhe é transmitido pelas diversas mídias- jornais e revistas, rádios, TV, internet e não apenas por esta última, têm dispensado a devida fidelidade ao esclarecimento dos fatos nos seus respectivos contextos, dando muito maior ênfase à manipulação ideológica da informação. Vejamos alguns fatos relevantes da conjuntura atual (mês de março/2024): a) a cobertura da “Guerra” no território palestino de Gaza; b) a política de distribuição de lucros da Petrobrás em 2024; c) as notícias conjunturais sobre a quebra de safra do agronegócio.
Depois de quatro meses de bombardeio sistemático sobre o território de Gaza, cujo último episódio documentado – a repressão mortal à multidão desarmada e faminta, com prováveis e desordenados saques de alimentos a cada vez mais raro veículo abastecedor; as mídias continuam tratando as operações repressivas como Guerra, supostamente entre dois Exércitos. E o último refúgio dos palestinos expulsos de suas casas destruídas – a cidade de Rafah na fronteira com o Egito, ameaçada também de sistemático bombardeio pelo governo de Israel às centenas de milhares de refugiados, tudo isto é tratado como se fosse operação de guerra. Raramente se fala em massacre, limpeza étnica e genocídio nem pensar; no máximo arriscam uma “reação desproporcional de Israel”, mas nunca tentam descodificar os fatos, preocupados com a fidelidade à versão fantasiosa do governo de Israel.
A preocupação com o equilíbrio na transmissão dos fatos leva os noticiários a uma curiosa distribuição dos tempos de notícia, principalmente na TV. A cada novo fato trágico em Gaza contra os civis palestinos desarmados (maioria de mulheres, crianças e adolescentes), repetem-se tempos de noticiários de outubro de 2023, quando ocorreram as operações terroristas do Hamas em Israel; como se o público precisasse diariamente ser lembrado de uma suposta “autodefesa’ e não de uma vingança interminável, que faria o Rei Hamurabi (autor da Lei de Talião, àquela do “olho por olho, dente por dente”- 1750 a.C) escandalizar-se com tamanha violência. Mas reação farisaica ostensiva da mídia, tivemos sim, no episódio de denúncia do genocídio palestino, comparado pelo Presidente Lula ao genocídio dos judeus na Alemanha nazista.
Outra informação visível na conjuntura é sobre a decisão do Conselho de Administração da Petrobrás de retenção de parte dos lucros extraordinários da Empresa em 2023 (224 bilhões de reais), tendo em vista cacifar seu programa de investimentos, que inclui também energias alternativas.Editoriais e noticiários dos principais jornais do Rio e São Paulo, mimeticamente repetidos no resto do País, disparam seus canhões contra a mudança de política,que privilegiava a distribuição aos acionistas e agora se move na linha do investimento. Mas há o consenso midiático em torno dos acionistas privados, enquanto o enfoque alternativo é desprezado, sem maiores explicações. Finalmente, o Ministro Hadad resolve salomonicamente a questão: distribuir 50% dos dividendos extra, pensando no caso no acionista Tesouro público.
Um terceiro fato relevante deste início do mês de março é o anúncio da previsão da safra de grãos pela CONAB relativo à colheita da safra 2023/2024, com quebra física de 7,5%, comparada ao ano anterior. Diante da evidência anunciada, apressam-se os locutores de TV para justificar o fato em função dos fatores climáticos, que todos nós observamos e continuamos a observar durante o ano e que o noticiário teima em justificar como fatores exógenos ao desempenho do Agronegócio. Nenhum comentário sobre as repercussões econômicas internas e externas da notícia veiculada, não obstante à supersafra de grãos do ano anterior, tivessem associado o papel de crescimento econômico do PIB em 2023. Tampouco há análise crítica sobre a excessiva dependência externa da economia brasileira das exportações de ‘commodities’.
Claro que há vozes de exceção a essa espécie de pensamento único midiático. Mas quando se trata de defender interesses gerais contra interesses de acionistas privados, interesses do Agro em confronto à necessidade da transição ecológica verdadeira ou condenar o genocídio de Israel em Gaza, as vozes críticas tendem a ser canceladas, minimizadas, quando não distorcidas na comunicação social, que ao assumir a postura dos comunicados de guerra dos Estados Maiores militares, condenam a verdade à condição de vítima permanente nos seus comunicados sobre desempenho nas batalhas em nome dos seus interesses estratégicos.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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