Espiritualidade inaciana e o medo da morte

Vinicius Riechi Pereira

Meu maior medo de infância era a morte. Não a morte biológica por si só, mas o fato de deixar de existir para sempre. Não me lembro quais foram os gatilhos desse medo, mas passava dias e noites questionando o porquê de a vida durar tão pouco e me entristecendo por não poder fazer parte da eternidade. A pergunta que eu mais me fazia era: “em algum momento eu vou morrer, mas não será algo temporário; como assim eu não viverei mais para todo o resto dos tempos?”.

Isso não impediu que eu tivesse uma infância feliz, mas a superficialidade do “morrer e ir para o céu”, aprendido na catequese e escutado na igreja e na família, não era suficiente para afastar o medo. Com o passar dos anos, minha atenção era dividida com mais coisas e eu já não passava tanto tempo me questionando sobre isso, mas o mesmo medo ainda estava ali.

Eu conheci a espiritualidade inaciana com 15 anos e digo que foi um privilégio tê-la conhecido nessa fase de vida. Foi através dela que, entre tantas coisas, fui reconhecer e desenvolver minha religiosidade e, principalmente, minha espiritualidade. Foi através dela que passei a entender que a vida é um dom e que todos os dons que recebo, com gratidão devo devolver, inclusive a vida.

Meu medo não foi desconstruído de uma hora para a outra, mas foi a partir desse momento que passei a questionar a morte não mais racionalmente, mas espiritualmente, interiormente e silenciosamente. Aos poucos fui percebendo que reconhecer o amor de Deus e meditar sobre como eu respondo a isso eram a melhor forma de enfrentar o meu medo de infância.

Passados quase 15 anos desse encontro com a espiritualidade inaciana, a relevância da morte e da eternidade, minha e dos outros, nos meus pensamentos e preocupações não chega nem perto da relevância que a vida tem. Passar pelo itinerário dos Exercícios Espirituais me tornou vivo e sensível, me ajudou a construir um projeto de vida que não está preocupado com o pós-morte, mas sim com o pré-morte, tendo Jesus como referência de como viver e entendendo que a eternidade já está dentro de mim.

Foi com esse entendimento que enfrentei com serenidade o desafio de acompanhar minha noiva durante 3 anos de tratamento de um câncer perigoso e, em 2023, celebramos sua recuperação, após sucesso de transplante de medula. É com esse entendimento que encaro o envelhecimento dos meus amados pais e avó sem o egoísmo de querer tê-los ao meu lado para sempre. É com esse entendimento que acolho e acolherei com amor a morte de entes queridos e a minha própria morte.

Meu maior medo de infância era a morte. Meu maior medo de “adultez” é não ter uma vida plena e com sentido.

Essa breve reflexão é minha forma de homenagear Padre Onofre, um exemplo de vida, e teve inspiração nas palavras ouvidas na Missa de Sétimo Dia de seu falecimento, dirigidas por Beatriz Vasconcelos, Pe. Agnaldo Duarte e Pe. Élcio Toledo, na Igreja do Rosário.

Curitiba, 27 de dezembro de 2023.


Vinicius Riechi Pereira é leigo, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), CVX Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, Curitiba (PR).

CVX: Uma Vocação

Imagem: Lígia de Medeiros — Vasos Comunicantes. Gravura 30 x 30 em caixa de acrílico

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

7 comentários Deixe um comentário

  1. Obrigada por compartilhar!
    Lendo seu relato, pude acompanhar a ação de Deus na sua vida e me maravilhar da leitura que você fez dela. Que o Bom Deus continue abençoando muito você e sua família!

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  2. Caro Vinicius!
    Que bom poder te re-encontrar aqui nesse espaço, nessa reflexão, na comunhão da vida em plenitude! Realmente, a luz afasta as trevas!

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    • Boa noite,

      Só hoje vi sua mensagem.
      Se quer continuar a reflexão do padre Adroaldo publicada nesse blog, basta se inscrever nele – receberá um aviso no seu e-mail.
      Abs

      Gina

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      • Quero receber sim, gosto muito e acompanho suas reflexões e me ajuda viver a liturgia… Obrigada!

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