No silêncio, a escuta e a fala que indicam caminhos para Deus

Pe. Paulo Lisbôa, SJ

Este escrito mais pessoal e quase como testemunho de vida nestes anos de menor atividade pastoral, não chega até você como uma crônica costumeira. Ainda impactado por uma experiência espiritual singular vivida, senti uma moção de Deus transformada e necessidade, de colocar no papel tal vivência e enviá-la para as amigas e amigos de sempre. O meu desejo inicial é que você possa “tirar proveito” para sua vida espiritual de seguimento do Senhor.

    1. Primeiramente, situo o acontecimento em si

    No final de 2023 fui convidado para ajudar em Exercícios Espirituais (eu estarei usando a sigla EE) de oito dias, programados para membros de Comunidades de Vida Cristã (CVX). A região do estado de São Paulo é que a organizou. Aliás, este tipo de Retiro, antes que a COVID chegasse com sua força total, era uma praxe anual para muitos aqui em São Paulo. Em 2023, já terminada a pandemia, iriamos retomar este bom costume, mas pelo que eu soube não houve número suficiente de participantes, devido ao custo um tanto alto do Retiro. Então eu fui dispensado, mas não destes EE que acabaram de ser realizados na semana passada.

    Você deve saber que os EE, não só os de 30 dias ou 4 semanas corridas, mas também os de 8 dias mais condensados, demandam local e ambiente adequados para que os exercitantes tenham as melhores condições externas para realizarem, com proveito e satisfação, o objetivo deles: a escuta da Palavra de Deus. Os organizadores conseguiram alugar a Casa Santo Inácio, antigo Noviciado dos jesuítas em Campinas, para realizar estes EE.

    Confesso que aceitei o compromisso, muito agradecido pelo convite, mas um tanto apreensivo. A apreensão tinha a ver justamente com as exigências acima apresentadas do ambiente propício. A Casa situa-se num bairro urbano classe média, com os inconvenientes do tráfico de veículos e de pessoas que passam pela rua. Contudo, eu posso adiantar que já no primeiro dia a apreensão desapareceu e, na continuidade dos dias, tudo concorreu para que o silêncio ambiental fosse uma tônica, em vista do encontro com Deus.

    É bom que você perceba em que consistiu a minha ajuda e como eu a realizei, sendo apenas um acompanhante e não aquele que propõe a matéria das orações para os participantes. Este serviço foi prestado por um leigo, agora muito conhecido das CVX em âmbito nacional, o Claudio Cassimiro, que também acompanhou alguns dos 14 participantes. Mais adiante eu dedicarei umas linhas sobre esse trabalho de acompanhamento. Como presbítero, eu tive também a alegria de preparar e celebrar a Eucaristia, ao final dos quatro tempos dedicados à oração, momento culminante do dia. Aliás, segundo uma tradição, que vem já de Santo Inácio de Loyola, cultor da Santíssima Eucaristia.

    2. Algumas referências pessoais e gerais

    Passo agora a referir por alto, como eu internamente senti estes EE. Não foi a primeira vez que eu fui o único ajudante em EE de 8 dias. Agora, porém o assessor e os 14 participantes eram todos não clérigos. No meio do ano passado eu ajudara uns EE bem parecidos, só que a senhora que os dava e as 17 participantes eram todas senhoras de um Instituto de Vida Consagrada. Cada uma das experiências foi muito gratificante. Contudo, digo algo que me gratificou só destes últimos EE.

    Penso que posso dizer que dois sentimentos foram os que predominaram: uma grande admiração pelo que ia acontecendo e este sentimento unido à correspondente gratidão que brotava do coração, para com a ação divina. Admirei-me grandemente por perceber o potencial da metodologia inaciana, que é tão bem aceita e realizada por leigos e leigas que buscam a santidade, em tempos tão conturbados e sem Deus! Percebi também de uma forma insistente o Espírito de Deus agindo nestas pessoas, e que me motivava ao agradecimento, em especial nas Celebrações Eucarísticas, sendo então mais comprometidas. Tenho certeza de que todas as 14 pessoas deixaram os EE com um desejo mais concreto de servir.

    Deve ficar muito claro para você que estes dois sentimentos confirmaram mais uma quase certeza que eu ultimamente venho trabalhando, e que é a seguinte: os EE de 8 dias com acompanhamento são muito bem aceitos e bem realizados por leigas e leigos que, porventura, não têm condições de realizar a experiência dos EE de 30 dias seguidos. No 3o. item a seguir, eu reflito um pouco mais sobre este aspecto do acompanhamento.

    3. Os verdadeiros EE supõem acompanhamento pessoal

    Como dei a entender acima, deixei estes dias de ajuda em EE feliz. Saí mais convencido de que Inácio deixou à Igreja Católica de todos os tempos um instrumento valiosíssimo de santidade, através da escuta e da verbalização da Palavra de Deus. Fruto de uma experiência totalmente pessoal e direta com o Espírito Santo, iluminador de todo o processo da busca da vontade de Deus o exercitante, com a ajuda de uma pessoa experimentada nos EE, confirma o que Deus lhe quis falar.

    Até uns 40 anos atrás, os EE eram dados mais por padres jesuítas, bons conhecedores da teologia e da prática nas virtudes cristãs contidas nas 4 semanas dos EE. Contudo, eram mais longas “pregações”. Não havia a preocupação com o acompanhamento pessoal da quantidade grande de participantes. Com a “volta às fontes”, inspiração dos Concílio Vaticano II, a Companhia de Jesus procurou rever a sua ação evangelizadora. Entre muitas, a dos EE foi imediata e uma das questões que logo se ajustou foram a dos EE a leigos e leigas em diversas modalidades. No Brasil, esta forma com os acompanhamentos teve sua origem no antigo Noviciado dos jesuítas em Itaici, quando transformado em Casa de Retiros e Encontros espirituais. Isso tudo nos idos dos anos 70. De lá para cá, em toda a atual única Província do Brasil, procura-se valorizar ao máximo os EE com acompanhamento.

    Não posso entrar em detalhes sobre pormenores da minha ajuda com os acompanhamentos agora realizados. Isso não seria conforme o segredo das confidências recebidas. Também, vejo que me alarguei demais nesta comunicação. Apenas para terminar, aproveito ainda de um breve espaço de seu tempo, para dizer que, em âmbito global, o serviço da Companhia de Jesus nesta área dos EE está praticamente relacionado com o acompanhamento das pessoas que a eles se dedicam. Há uma quantidade de livros editados sobre este particular.

    Penso que faz parte então desta exposição eu exemplificar com uma obra bem recente. Eu me servi da leitura do livro ” A força de tua voz”, de José Garcia de Castro, SJ, tradução das Edições Loyola. A leitura desta obra durante os tempos livres que eu tinha nesta ajuda em acompanhamentos, reforçaram algumas das conclusões que, de uma forma ou de outra, foram expressas nas linhas escritas acima.

    Ao terminar sua leitura a este meu testemunho, agradeça comigo todas as outras maneiras de escutas e falas a tantas pessoas, ao longo destes quase 50 anos de ministérios no vasto campo do Reino de Deus, através dos EE:

    A minha alma engrandece ao Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador!

    Lc 1,46

    Pe. Paulo Lisboa, SJ é licenciado em Letras e bacharel em Filosofia e em Teologia, é sacerdote jesuíta com grande experiência na formação de jovens jesuítas e na orientação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola (EE). É um grande amigo da Comunidade de Vida Cristã (CVX), foi assistente eclesiástico nacional da CVX e atualmente é assessor da CVXavier (São Paulo, SP).

    CVX: Uma Vocação

    Imagem: Lígia de Medeiros.

    Comunidade de Vida Cristã (CVX) Espiritualidade cristã

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    IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

    2 comentários Deixe um comentário

    1. Obrigada por mais esse texto no qual transparece seu carinho pela espiritualidade e por sua missão.
      O senhor é um grande pai espiritual – para mim e para muitos outros!! Gratidão!
      Com carinho,
      Gina

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    2. Gratidão, através deste texto mostra-me como o senhor testemunha e defende a espiritualidade inaciana que vive e nos ensina para seguirmos Jesus mais de perto.
      Percebo o amor que exerce sua missão sacerdotal e carinho e dedicação que tem CVX. Admiro é benção pra mim.
      Abraço Bárbara

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