Coerência
Simone Furquim Guimarães
A leitura do Evangelho hoje é Mt 23,1-12. Jesus está falando para as multidões e discípulos. Ele faz críticas contundentes contra os religiosos, que deveriam ser responsáveis em conduzir os fiéis para a prática da Lei de Deus, pois eles têm o conhecimento literal da Bíblia (Torá); isto é, “estão sentados na cátedra de Moisés”; porém, na prática, são hipócritas (Mt 23,27ss), pois vivem de forma contrária à Lei. Eles vivem das aparências.
Jesus elenca as características e ações desses líderes religiosos, justificando o motivo da sua crítica:
– Eles exigem do povo o cumprimento de numerosas regras: são 613 regras para não se tornarem impuro/pecadores e serem impedidos de frequentar o templo e as sinagogas – lembramos que o papa Francisco nos recorda dos religiosos de hoje que se assemelham à fiscais de alfandegas. Com seus legalismos, estes também controlam quem pode ou não frequentar a igreja. No legalismo exigente, que os próprios fariseus são incapazes de cumprir, tornam difícil a observância da Lei. Jesus também critica a manipulação da Torá por esses religiosos, que o fazem com finalidade de controlar e dominar a consciência das pessoas.
– Jesus os critica por exibir os filactérios e o manto com orla ostentosa. Os filactérios usados nas roupas dos religiosos são pequenos estojos contendo as palavras importantes da Lei, conforme prescrito no livro de Dt 6,4-8. A Lei servia para ser colocada em prática as suas prescrições. A crítica de Jesus se dá justamente nisto: eram judeus orantes, faziam discursos bonitos, mas viviam de aparências.
– Jesus percebeu que muitos deles haviam se corrompido pelos poderes políticos e de classe: seu lugar social passou a ser o da elite judaica; preferiam as festas e banquetes e a vida ostentosa; fazendo assim eles legitimavam os privilégios dos grandes e a posição inferior dos pequenos. Jesus os critica porque eles pensavam com a mentalidade dos poderosos: de poder e dominação.
O evangelista Mateus entendeu o que os cristãos não devem fazer (vv.8-12): não devem querer ocupar o lugar de Deus (Pai, Guia) e o lugar do Cristo (Mestre), assim como os religiosos estavam fazendo.
O apóstolo Paulo, na leitura da carta aos Romanos (cf. Rm 11,33-36), questiona toda aquela liderança que tem pretensões de se igualar à Deus. As três perguntas retóricas dos versículos 34 e 35 – quem pode igualar-se à Deus em conhecimento, em sabedoria e em riqueza? – têm a finalidade de sufocar todo atrevimento e derrubar toda arrogância humana. Ninguém é como Deus, ainda que assim se comporte. Infelizmente, muitas lideranças religiosas hoje ofuscam o Evangelho e a pessoa de Jesus Cristo e afastam-se do seu Seguimento para se tornar o centro e a referência para os fiéis.
Lembremos: Jesus não quer uma comunidade (igreja) com representantes “poderosos”. Na ekklesia todos devem ser irmãos na igualdade e no serviço do Reino (v.8). Jesus inverte a lógica do poder dos que dirigem a igreja. Ele vai dizer que estes devem ser servidores, pois o poder é o poder serviço: o maior dentre vós será aquele que vos serve. E conclui com uma frase chave: “Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilha será exaltado”.
À luz das críticas de Jesus, façamos uma autocrítica: somos coerentes com nossos discursos, nossas pregações com nossa prática no dia a dia, na comunidade, na sociedade? Em quê Jesus nos criticaria hoje?
Ouça no Podcast Ignatiana [link]
Simone Furquim Guimarães é mestre em Teologia na linha bíblica. Tem experiência na área de Leitura Popular da Bíblia no Centro de Estudos Bíblicos (CEBI/Planalto Central).
Esta reflexão bíblica foi originalmente apresentada no Programa de Justiça e Paz, produzido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, que vai ao ar todo sábado, às 11:00, na Rádio Nova Aliança.
Desde outubro de 2020, também disponível no podcast Ignatiana.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
