Contemplação que afeta e transforma

Tania Pulier

Uma das principais experiências que a espiritualidade inaciana me trouxe foi a contemplação. Ser impactada profundamente por uma imagem – quer venha do texto bíblico, de uma expressão artística, do mundo externo ou interno – e buscar reconhecer o toque de Deus neste impacto e para onde quer me levar, na graça do Espírito Santo.

Uma dessas experiências, que hoje revisito e novamente me afeta, foi no sexto mês de gravidez, diante deste quadro presenteado pela artista do Vale do Jequitinhonha (MG) Lira Marques. Ele ficava ao lado do meu altar e, ao sentar-me para rezar num momento atordoado pelos sintomas e todas as mudanças, fui tomada pela imagem (principalmente pela patinha de baixo da figura) e pude expressar para Jesus o que normalmente uma mãe não pode dizer a ninguém:

“Senhor, é bem difícil admitir o sentimento de ser mãe que vejo nesta patinha: quero comer, me queima o refluxo; respirar, me falta o ar; levantar-me, não consigo – e ainda tenho que sorrir e ser grata. Eu sorrio e sou grata, mas é duro. Peço para você crescer e eu diminuir, crendo que isso é ser mais. Mas neste agora vou me sentindo sufocada, espremida. Pergunto o que você quer nos meus papéis de esposa e mãe, mas será que eles vão me tragar totalmente, eu vou desaparecer neles?”

Este foi o desabafo inicial que o afeto da imagem na minha realidade imediata provocou. Gerou-me paz sentir-me acolhida por Jesus, que não se escandalizava dos meus sentimentos nem me julgava; ao contrário, em sua presença revelava-me a mim mesma, fazendo reconhecer que havia a questão “Cadê eu?” em meio à busca e desejo profundos de focar no essencial do chamado de construir a minha família e a ela me entregar. Jesus não era mais um demandando na minha falta de forças, mas o companheiro de vida, que me convida a ser sua companheira; que me encontra no meu caminho – às vezes prostrada à beira do caminho – e convida a ir com ele em seu caminho. A sua entrega é fonte para a minha, e unida a Ele a vida abundante desta imagem pode ser gerada.

Hoje, mãe do Lucas, com quase 1 ano e 3 meses, o tesouro que Deus me deu já na maturidade (estou com 45 anos), morando há 7 meses numa nova cidade (viemos de São Paulo capital para a pequena Bálsamo, de 9 mil habitantes), apoiando o Fabio (marido) no negócio novo que ele montou aqui, a Manjericom Gastronomia Artesanal, enquanto busco não descuidar da minha missão como psicoterapeuta, parei novamente diante desta imagem.

Como é maravilhoso o silêncio! Como tenho sede de parar, nem que seja um pouco! São os sopros de vida que sustentam a oração na vida, no ir e vir. Neste intervalo em silêncio de hoje, primeiro lembrei do atendimento psicoterapêutico a um cliente nestes dias, em que o questionava sobre deixar para depois o chamado da alma, de viver mais plenamente, adiando-o para “quando…” – quando tiver mais tempo, quando juntar tal dinheiro, quando… – e senti-me questionada: como, em meio a tudo, viver já o essencial e no essencial? Vi da minha janela o céu azul num brilhante sol e as folhas da árvore balançando ao vento, como que me dizendo: é já, é simples, só abra os olhos, fixe-os no que importa, na graça presente.

Neste contexto olhei novamente para o quadro e, contemplando a patinha de baixo, ocorreu-me: ela pode estar oprimida sob um pesado fardo e com a cabeça submissa voltada para o chão, ou pode reclinar-se diante do Sagrado e, bebendo de Sua fonte, viver e gerar vida em abundância. Depende do olhar; depende da atitude. Cristo, que transformou o derramamento de sangue em oferenda, é quem me chama a servir unida a Ele e experimentar a vida que vem daí. Obrigada, Senhor, pela vida que você nos dá, em qualquer situação! Ajuda-nos a permanecer em você, sem o que nada podemos fazer.


Tania Pulier é leiga, psicoterapeuta junguiana, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade Cardoner, São Paulo (SP) [2012 a 2022], atualmente morando no interior do estado.

CVX: Uma Vocação

Imagem: Lira Marques

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

2 comentários Deixe um comentário

  1. A experiência da contemplação possibilita muitas descobertas e aprofundamento do sentido da vida… Obrigada por compartilhar!

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