Um pouco da minha busca

Fabrício José Terra Pires

Considerando que encerramos recentemente as comemorações dos quinhentos anos da conversão de Santo Inácio de Loyola, resolvi escrever, humildemente, alguns registros sobre a minha conversão ao Rei Eterno na trilha traçada por Inácio.

Nasci num lar católico no interior do estado do Rio de Janeiro, numa diocese ultraconservadora. Fiz a primeira Eucaristia, em meados da década de 1970, com um sacerdote jesuíta, também ultraconservador, nos moldes do primeiro catecismo da doutrina cristã com perguntas e respostas, sem contato algum com a Palavra de Deus. Não me recordo de nenhuma fala sobre Inácio ou sobre Exercícios Espirituais, lembro bem das missas em latim onde os fiéis estranhamente rezavam o terço durante a celebração, achava engraçado o véu usado pelas mulheres que precisavam usar saias.

Neste ambiente construí uma imagem de um Deus que vigiava o tempo todo e contabilizava nossos “deslizes”. Onde os “mais graves” eram, obviamente, de natureza sexual. Ouvia pouco ou quase nada sobre amor, solidariedade, tolerância, justiça social, serviço, Reino de Deus…

Na adolescência tive contato com grupo de jovens e com a Renovação Carismática Católica. O bispo já havia sido substituído por um alinhado com o Concílio Vaticano II, dentro da disciplina de São João Paulo II.

A imagem de Deus não tinha sofrido mudanças significativas. Acreditava que Ele gostava mais daqueles que lutavam contra as tendências pecaminosas e que a santidade dependia muito do esforço pessoal, sendo valorizadas: a austeridade, a continência, a renúncia… A pessoa de Jesus era distante e nada humana.

Não demorou muito, e no início da juventude essa prática religiosa já não trazia sabor à vida e os conflitos internos começaram a aparecer. Abandonei o catolicismo por quase vinte anos… Parei de rezar, de ter contato com a Palavra de Deus e raramente participava das missas.

O tempo passou e por ocasião da proximidade do nascimento de meu filho, comecei a pensar sobre o nome que daria ao menino e se deveria batizá-lo, pois não tinha vida em comunidade de fé e me incomodava batizá-lo por questões meramente sociais. Também me incomodava a saudade do Mistério. Desinstalado por essas questões, comecei a procurar respostas. Foi aí que retirei da estante um livro português intitulado: “Inácio de Loyola Fundador da Companhia de Jesus”, de Cândido de Dalmases, sj, comprado há muito tempo e nunca lido.

Tal leitura estava relacionada com a força do nome Inácio e com os jesuítas, que sempre habitaram o meu imaginário. Pela primeira vez li sobre os Exercícios Espirituais (EE. EE.), fiquei fascinado com aquele santo que parecia de carne e osso, que sentia coisas que eu também sinto e que buscava coisas que busco até hoje, e que aparentemente não fazia milagres.

Por conta dessa leitura dei ao meu filho o nome do Peregrino, adquiri o livrinho dos EE.EE. e também as Constituições da Companhia de Jesus. Duplo desencanto, num primeiro momento as Constituições não matavam a sede que estava sentindo e o livrinho me pareceu coisa de gente doida numa linguagem medieval, nada fazia sentido – estava lendo a metodologia. Por outro lado, estava claro que havia um tesouro escondido, que não sabia desvendar.

Foi aí que decidi buscar ajuda. Primeiramente, procurei um jesuíta idoso conhecido de uma vizinha, o contato não foi bom, outra decepção… Mas estava decidido a tentar ordenar os afetos e buscar a vontade de Deus. Como a paróquia mais próxima de minha residência era dedicada a São Francisco Xavier, vi neste patrono um bom sinal. Tomei coragem e procurei o pároco que, de modo sensível e acolhedor, me recebeu, recomendando que procurasse um pequeno grupo que se reunia numa sala sob a orientação de um leigo “cabeça aberta”.

Era uma pré-comunidade de vida cristã (CVX) em construção que me abraçou, me formou e abriu um caminho que continuo percorrendo até hoje.  Nunca mais a minha fé e meu modo de proceder foram os mesmos e nunca mais eles ficaram estáticos. Me defino como um buscador dentro da escola inaciana, querendo sempre mais, disponibilizando os meus dons, principalmente no ambiente de trabalho, para criação de novas possibilidades (acredito que este comportamento tem a ver com os EE.EE.)

Hoje entendo que o bom Deus nunca me deixou só e que seu amor é incondicional, que me acompanha todos os dias e em todas as relações da minha existência. E que Jesus Ressuscitado, que é também é o Crucificado, é real – vive no meio de nós e convida a todos e todas para participarmos da construção do seu Reino. Só consigo agradecer…

Partilho uma música que, ultimamente, explica bem o que este caminho representa para mim:

La herida

Al final de la vida llegaremos
con la herida convertida en cicatriz.

El amor pasará varias facturas.
El camino nos dejará mil huellas.
Con la misma pared tropezaremos.
Alguna decepción nos hará mella.

Mas somos hijos de un Dios enamorado.
Sedientos buscadores de respuestas.
Somos pura ambición que tú sembraste,
para que así tu reino floreciera.

Al final de la vida llegaremos
con la herida convertida en cicatriz.

Lucharemos a muerte con el ego
Sentiremos que el tiempo nos aprieta,
guardaremos derrotas en la entraña,
Perderemos la música y la fiesta.

Y, con todo, seguiremos bailando
Porque así somos, humanos en tu estela.
Portadores de un fuego inextinguible.
Creyentes en un mundo sin fronteras.

Al final de la vida llegaremos
con la herida convertida en cicatriz.

Somos fragilidad entusiasmada,
soñadores que no se desesperan.
Nunca renunciaremos al mañana,
aunque en el hoy nos toque la tormenta.

Y si acaso se agrietan los motivos
por los que un día elegimos tu bandera,
agrietados seguiremos caminando,
que tu Evangelio es ahora nuestra tierra.

Al final de la vida llegaremos
con la herida convertida en cicatriz.

Letra: José María Rodríguez Olaizola, SJ
Melodía: Cristóbal Fones, SJ

Fabrício José Terra Pires é leigo, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), Pré-CVX Senhora do Caminho, Niterói (RJ).

CVX: Uma Vocação

Imagem: Benevento (1945- ). Sem Título, 1983. Enciclopédia Itaú Cultural.

Comunidade de Vida Cristã (CVX) Espiritualidade cristã Leigas e leigos

Ignatiana Visualizar tudo →

IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

2 comentários Deixe um comentário

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: