Arte e Espiritualidade
Lígia de Medeiros
Experiência artística e experiência religiosa estão intimamente ligadas. A artística nasce da necessidade de se expressar. E para satisfazer essa necessidade nem se pensa em perguntar se aquilo que se faz é bom, porque ela atende ao chamado da vocação (vocare =chamar).
A experiência religiosa também nasce de uma vocação. Esse chamado vem em resposta a uma saudade inexplicável de um Bem maior, de um vazio que não se sabe de onde vem, e da urgência de preencher o espírito que está árido e sem respostas que satisfazem.
Para quem não atende ao chamado divino, a vida torna-se insípida e os subterfúgios disfarçam um desprazer interior. Quem vive a experiência religiosa, ao contrário, vê o ordinário tornar-se extraordinário, o invisível tornar-se visível, e tudo se restaura pelo novo olhar. Quem não atende ao chamado, vive aquém da sua plenitude como ser humano. Deus nos preparou para coisas maiores, e sentimo-nos incompletos quando não cumprimos aquilo para o qual fomos feitos. Se as duas vocações estão presentes, a arte reforça a espiritualidade e vice-versa, o que explica as grandes obras de arte do Renascimento, e dos períodos seguintes, que tinham uma finalidade religiosa.
As duas experiências se iniciam com um acontecimento empírico, já que se precisa da corporeidade e do mundo concreto para ter início o chamado. Mas se essas experiências se manifestam em princípio no mundo, o seu fim não está no mundo, já que ambas têm uma causa maior fora de si mesmas. Tanto a arte como a espiritualidade partem dos sentidos do corpo e atingem o nível do suprassensível, do transcendente.
A experiência religiosa acontece no contato com o outro, ela é inter-relacionai, e pode se manifestar no chamado para cuidar do próximo e assim se chegar a Deus; ou ter a experiência de Deus e, por uma sensação de transbordamento, se chegar ao próximo.

A arte também busca no outro um parceiro para troca de sensações.
A arte também busca no outro um parceiro para troca de sensações. Essas sensações não ficam apenas no nível das reações sensoriais e emotivas; elas modificam quem a produz e quem a usufrui. A arte não é o centro da experiência do sujeito – vai além disso, pois tanto a arte como a religião produzem a abertura para um mundo que até então não existia, que está além do mundo. Um mundo feito no seu tempo e espaço, e ao mesmo tempo transcendente ao seu tempo e espaço.
A arte abrange o universal no particular, e essa conjugação é que produz a Beleza. A arte é o aparecer do ser, a manifestação sensível da ideia, e quando a ideia unifica o ser e o seu aparecer numa única e inseparável realidade, aí se tem a Beleza.
A religião também invoca a Beleza. Jesus Cristo que religa o homem a Deus, é a manifestação imanente da Beleza do Deus transcendente. Manifestando-se no meio de nós, o Deus encarnado revela, de forma magnífica, o aparecer do seu Ser.
A espiritualidade é a arte excelsa.
Lígia de Medeiros é artista, designer, educadora e carioca. [Instagram | site]
Imagem: Lígia de Medeiro — Sobre Estandarte, Brises e Bandeirinhas