Sobre o Reino e a Graça em Edith Stein
Lígia de Medeiros
Acabei de ler, para o fecho dos Exercícios Espirituais inacianos, o belo texto de André Gomes “Manifesto pela ocupação amorosa dos corações vazios”. O Manifesto prega a força do Amor, o quanto ele quebra resistências, e o que a sua energia avassaladora pode fazer. Diz-me também que a sua ação é contagiosa e se propaga de coração a coração. Quando tal fato acontece? Pelo texto do André, é quando se estabelece o Reino de Deus em nós, com o Amor atuando como a mais poderosa energia que existe. O que é o Reino de Deus? E o que o Pai Nosso pede quando diz “venha a mim o teu Reino”?
Pesquisando no YouTube, deparei-me com uma série de palestras do Rony Akiki, um filósofo espanhol que discorre sobre o pensamento de Edith Stein. A curiosidade pela filósofa despertou-me para as palestras, o que, indiretamente, me ajudou a entender como “o venha a mim o teu reino”, se manifestava na minha vida. Edith Stein fala que a vinda do Reino é a chegada da Graça em mim. Então, quando eu peço “venha a mim o teu Reino”, o que eu peço é que o Senhor me dê a sua Graça, a Graça do seu Amor. Quando a Graça vem (pois quem pede recebe), descubro que as coisas do alto não estão mais somente no alto, mas também dentro, incorporadas no meu íntimo. A nova atitude não é mais ditada pelo meu exterior (pelo mundo), mas pelo meu interior modificado pelo Espírito. Sem ímpetos mais de reagir como o mundo reage, sinto que estou no mundo, mas não sou do mundo (João 14,14).

E Edith continuou a me ensinar que existe um comportamento que diferencia os que estão fora do mundo, dos que vivem nele: os que estão fora, não aceitam o olho por olho, dente por dente, mas, oferecem a outra face. Verão brotar, espontaneamente, com aceitação interior, o oferecimento da outra face, em uma ação autêntica e livre de quem quer viver o Amor de forma coerente e santa.
Ocupar o coração com o Amor significa escolher um lado, o do Bem, não permitindo que a tentação se manifeste e o pecado me habite. Com o coração cheio de Amor, o Maligno não encontra brechas para agir. Não existe neutralidade: se não se está do lado do Bem, se está do outro lado, e quem se diz neutro, na verdade é cúmplice do Mal. Papa Francisco nos alerta muito sobre isso.
Sabemos que a fama desse grande Amor não é das melhores hoje em dia. O mundo valoriza a autossuficiência das criaturas, mas a autossuficiência é impeditiva da Graça porque ela não me deixa ver o quanto preciso da ajuda divina. Pessoalmente, eu custei a ver esse pecado como tal, porque, com certeza, eu era (e ainda sou) bem abastecida dele! A autossuficiência cria crostas no coração e o Amor de Deus não pode entrar, como Ele faz nos anjos. Como não se pode obrigar ninguém a amar, o Pai anseia por escutar a minha súplica para que eu peça a Graça do seu Amor, espera ouvir que eu confie nele e me entregue, assumindo que sou frágil, dependente, e que não tenho o controle da minha vida. É uma falácia acreditar que o homem se basta, pois ele precisa ser adubado como a terra. Essa palavra, terra, que em latim significa húmus, tem a mesma raiz de humano e de humildade. A autossuficiência, porém, não tem nada de humilde, está impregnada de orgulho e vaidade, e é a matriz para as valorizadas manifestações de autoestima e amor próprio, que fazem parte do pensamento das terapias de Autoajuda, tão nocivas para se aprender a viver a humildade.
O amor, para invadir os corações, precisa da anuência de cada um desses corações, porque se pode dizer não à Graça, pode-se recusá-la; e é isso o que faz a pessoa autossuficiente (Edith Stein diz o quanto esse sentimento traz a semente da rebeldia, a mãe e pai de todos os pecados).
Mas, se deixo o Senhor me conduzir, o Pai pega-me pela mão e me protege. Sinto-me cuidada, o medo e a sensação de fragilidade diminuem, pois o comando não está mais em mim – o que me tira das costas o peso da existência, e me entrega, de fato, nas mãos de Deus. Só assim, o “seja o que Deus quiser” será dito de coração, e não de modo impensado.
P.S: O que ouvi nas palestras sobre Edith Stein carrega o meu viés. Falei do que senti vibrar o meu coração. Se os meus comentários não refletem literalmente o pensamento da filósofa, peço desculpas a quem é expert.
Lígia de Medeiros é artista, designer, educadora e carioca. [Instagram | site]
Imagem: Marc Chagall – Rute respigando, 1960