Das Dores Civis e Humanas – A Fé e a Oração

Joana Eleuthério

Abandonemos agora tanto cansaço.
Deixemos que os mortos enterrem
os seus mortos e procuremos a aurora
apaixonadamente atentos ao seu sinal.

Rosário Castellanos

Preciso silenciar-me para
perceber Você me fazendo companhia
neste isolamento pandêmico da Covid-19.
—Jesus, quero lhe falar do  
meu espanto cotidiano diante
dos absurdos que vivemos
diariamente nesse país e no mundo.

Como uma cristã orante desejando
ser sua discípula e fiel seguidora,
tento não dizer que estou furiosa…
Costumo dizer que estou triste ou perdendo  
a esperança diante da irresponsabilidade oficial
Não paro de fazer minhas orações e súplicas,
mas estou cada vez mais indignada.

Estas palavras de Denise Fraga me provocam e
eu assinaria embaixo.

— Santo Deus,
Não aplaque a minha fúria

Renove a minha perplexidade  
diante de tanto absurdo.  
Deus, meu pai,

Canalize o jorro da minha indignação furiosa
em gotas de lucidez implacável
para a minha luta diária
a caminho da verdade

Fica cada vez mais claro para mim:
— Ainda não é hora de abandonar  
o cansaço, mesmo diante de tantos mortos.
de tanta dor, tristeza e desilusão cívica.
Vejo que é hora de respirar fundo
e arregaçar as mangas e ajudar  
a salvar o Brasil – não só da pandemia.

Há o medo de certas palavras. Esse medo vem na maneira com que tentamos, até o limite, não utilizá-las. Porque seu uso acende alertas vermelhos, nos quebra a letargia de sentir que, por mais que nossa situação atual seja complicada, a vida corre. E corre com um correr de quem acaba por acertar seu passo, abaixar os gritos. Bem, não há palavra que nos leve mais a temer seu uso do que “fascismo”.

Vladimir Safatle

O papa Francisco tem sido incansável na busca  
de adesão ao projeto de Jesus – o sonho de Deus.
A acolhida aos pequeninos, a partilha do pão  
e a fundamental conversão ecológica.
Diante da oposição, que enfrenta dentro da igreja,
O papa continua convocando a todos para ações  
que visam superar a injustiça social e as desigualdades ampliadas por governos neoliberais da ultradireita.

Transformar as raízes das nossas enfermidades físicas, espirituais e sociais. Poderemos curar profundamente as estruturas injustas e as práticas destrutivas que nos separam uns dos outros, ameaçando a família humana e o nosso planeta.

Papa Francisco em sua catequese

Realmente ultrajantes são as negociatas com  
multinacionais que fazem em nossos países pobres  
o que não podem fazer em seus territórios.  
O pontífice nos chama à responsabilidade  
no cuidado da Criação e no respeito  
aos povos originários e às demais periferias existenciais.  
É tempo de ecologia integral, Francisco nos convida:

— Rezemos para que os recursos do planeta não sejam saqueados, mas partilhados de forma justa e respeitosa. Não ao saque, sim à partilha

Paradoxalmente, a autora da epígrafe nos lembra
que “o renascer poderia acontecer […]  
nesse continente que agoniza,  
bem podemos plantar uma esperança
“.
Peço à Santíssima Trindade:
— mantenha viva a minha indignação furiosa
temperada com um mínimo de lucidez
para a luta diária, sem previsão de acabar.

Tentando me fazer à altura da Missão,
Digo ainda como Rosário Castellanos:
“O meu coração alarga-se para conter os Teus limites.
Silêncio, luz apagada, olhos fechados
ouço os barulhos da madrugada que  
se anuncia – “procuremos a aurora  
apaixonadamente atentos ao seu sinal”
— A Presença é inconfundível e  
me espera com misericordiosa paciência.

O essencial é que a oração não seja um mero dizer, mas um dizer-se, e um dizer-se confiado. Mesmo que usemos uma oração vocal, o que conta verdadeiramente não é o verbo. (…) A despersonalização de uma oração feita apenas de fórmulas acaba por ferir e ser um bloqueio à verdadeira oração. Não há oração vital sem um eu diante de um tu. Teóforo, o monge, dizia com sentido de humor que, para um orante, a consciência de que está perante Deus tem que ser tão forte e real como uma dor de dentes.

José Tolentino Mendonça

Tolentino me conforta.

Brasília, 6 de setembro de 2020


Joana Eleuthério é graduada em Letras. Servidora pública aposentada da Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal – Escola de Governo do Distrito Federal (EGOV).
Inaciana, avó e mãe, caminha pelas estradas de Jesus, de Santo Inácio e de Santa Teresa de Ávila, por onde tem se inserido na Comunidade do Centro Cultural Brasília (CCB/Jesuítas). Muito grata pela caminhada realizada até aqui.

Todos os textos de Joana [clique aqui]

Imagem: Claudio Tozzi — Geometrias do Tempo, 2000. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.

Espiritualidade cristã

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Caminhante sem nenhuma linearidade e com variados interesses – uma buscadora incansável.

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